Tem três tipos de formigas aqui em casa. O gel-pesticida já não dá
conta. Até no pente da barba elas passeia e se alimentam, essas são
pequenininhas, mais durinhas de matar, ao picarem causam uma dor fina e
imediatamente começa a coçar. Tenho pavor delas. Até na manta do sofá elas se
refestelam, certamente das camadas mortas de minha pele. Os outros dois tipos
são mais controláveis e claro, não picam. Dia desses, injetei dois tubos de gel
pela casa, frestas, cantos, esquinas.
Deu jeito. Momentaneamente. Mas elas voltam, sempre voltam e se aninham
em algum lugar que não consigo encontrar. Tem três gatos aqui em casa. Preto.
Branco. E Gisberta. Foi trazendo um por vez. Nesta ordem de apresentação. O
primeiro é o macho-alfa. Branco, chegou porque acreditava que o primeiro se
sentia só. Ele é o meu gato-cão, tão carinhoso e carente que chega a ser besta.
Gisberta, que é irmã de barriga de Preto, chegou depois que soube que só tinha
restado ela para adoção e ninguém queria. Se bem que ela teria sido a primeira
caso não tivesse me azunhado. Ao chegar, amedrontada, ficou feito uma fera
escondida por mais de um mês. Não via a cor dela enquanto estava em casa. Para
constatar que ela não estava morta, olhava debaixo da cama e lá estava ela,
amuada e fazendo aquele rasgado amedrontador quando me olhava nos olhos. Até
hoje, com quase nove anos, ela não me deixa pegar nela. Mas ela é carinhosa, no
tempo dela, no tempo de gato dela, onde eu sou seu humano de estimação. Tenho
os três como filhos que pari. Mas tenho medo de Gisberta. As vezes acho que ela
irá me morder ou me cortar a jugular. Tem três dias que tenho o mesmo
sonho-pesadelo. Não o mesmo-mesmo, mas aquele mesmo que meio que continua,
sabe? Começa como um sonho, estou andando numa rua, voltando de uma festa, tem
poucas pessoas naquele horário, e vou seguindo, em direção a não sei onde, essa
rua não é uma rua comum, é uma mistura de várias cidades que já morei. Até este
ponto o sonho-pesadelo sempre se repete. Daí em diante é que tem mudado. O
caminho me levou sempre para um lugar diferente. Nesta ultima noite me vi em
frente ao coreto de uma praça de uma cidade dessas que morei. No dito coreto
tinha um desses gringos que tocam algum instrumento. Ele estava tocando
violino. Uma canção triste. Não. Ele estava tocando uma canção linda. Não. Ele
estava tocando uma canção linda e triste. E então eu comecei a chorar. Chorei
de soluçar sabe? Engasguei de tanto que as lagrimas me consumiram. Ele – o
gringo que não sei mesmo se era gringo – olhava para mim, sorrindo. E eu me acabando
em lágrimas, soluçando, inconsolável. Despertei nessa hora com uma picada de
formiga. Com o grito do despertar, os três gatos que dormiam sobre a cama,
assustaram-se. Tive medo da gata pular sobre meu pescoço. Já gastei um
frasco de veneno aerossol no quarto, está um mal cheiro do cão. Não sei se
consigo dormir hoje.