segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dentre todas as marcas – Viagens sobre o dorso do surubim.




A vovó Anita

Ver-te sempre me emocionou. Seja quando estavas a podar e regar tuas roseiras ou quando, centrada e sábia de si, contava-me estórias e histórias do teu tempo de moça. Estar junto de ti sempre mexeu com meu imaginário, com as minhas emoções, seja quando lhe pedia a benção para ouvir “Deus te dê uma boa sorte” e eu sentir minha alma se fortalecer, porque tua benção sempre foi pura energia boa, limpa. O cheiro de teus cabelos brancos, tua comida sempre tão farta e saborosa, que quem quiser chegar sempre será bem vindo. Quando cansado, deitar sobre tua cama e ficar inebriado com o aroma de patchouli dos lençóis. Quando menino, contava-me das aventuras de viagens pelo Rio São Francisco montado num enorme e lindo surubim. E eu via-me junto a ti, descendo pelas águas encantadas do rio, o grande peixe com suas pintas características levando-nos – Juazeiro, Petrolina, Sobradinho e seu lago gigantesco, e íamos, íamos, íamos até a Pirapora. Despertavas em mim o gosto pela aventura, pelo desconhecido do rio, do mundo e nem sabias disso, nem muito menos eu, que pequeno, apenas buscava ir contigo aonde fosses. Hoje sei, sei tanto, que penso no tempo perdido, no justo tempo em que não estavas ao teu lado, para enfrentar ‘aleões’ valentes e carrancas encantadas do rio. Lembro-me dos doces – banana, caju, goiaba, balas de jenipapo, amendoins banhados em chocolate – sabores inesquecíveis de minha infância, do teu zelo para comigo. Ver-te cantar e acreditar que eras uma cantora do rádio, porque assim eu acreditava mesmo, por tua voz afinada, pelo teu porte austero, firme, quase que de sangue nobre com coluna ereta, colar de pérolas como na foto que costumo olhar para matar a saudade, porque diante de tudo que eu sempre soube, desse amor intrínseco, latente, fazia-me longe, porque sempre tive dificuldades de ficar junto depois que aprendi a sair por aí, montado em bichos a desbravar o mundo. Mas essa mesma distância que eu mantinha sempre fez com que eu mais e mais soubesse da tua importância em minha vida, que meu tempero é baseado no teu, meu gosto por música boa como Clara Nunes é porque te ouvia falando e catando ela. Tudo está aqui, em mim, do cheiro das tuas rosas, de me ensinares a rezar antes de deitar – “Meu santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador...”. Ficou o sabor do café ou do chá de erva-cidreira no fim de tarde com sequilhos e bolos que sempre cresciam mais que os dos outros. Ficou a imagem que me destes de vovô, porque não o tendo conhecido, precisava de alguém que me desse os parâmetros, a imagem, o contexto de quem tinha sido ele e quem mais poderia me dizer tanto? E desse tanto, que é muito, um mundo inteiro, como as panelas encostadas na porta com medo dos ladrões, a comida dos cães que eu adorava comer escondido, Osná e Tieta – os papagaios mais sabidos do universo, do pé de pêra, dos passarinhos – canários, sabiás, sofrês, cardeais que amava ouvir cantarem, como em uma grande orquestra. Tudo ficou, é parte de mim, porque em mim estás mais do que mostro, que se fosse precisar levaria dias e noites, e muito seria pouco. Então torno a pedir-lhe a benção e depois de tudo adormecer apalpando teu braço.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Palavreado - De boca para fora

Espalhado. Com o espantalho espantando todos os corvos abutres gentes. Esparramado como pé de bucha sobre a cerca sendo-a própria viva. Aquele algoz está minguando, será na lua nova que dará o último suspiro. Quanto ao que será feito da casa vá se saber pelo fim do verão; até lá muito calor sol ardendo o coro cabeludo rios de suor descendo pelo rego; desta forma não se pensa pouca atitude bastante cerveja gelada porque não há dinheiro para ar condicionado então condiciono o ventilador ligado constantemente soprando um vento morno. Noite passada houve um germinar de saudade mas danei a derramar água fervendo sobre o broto e sobre o ralo pois tinha um rato enorme querendo sair; não suporto ratos baratas e muito menos ervas daninhas; tudo que não presta rende. As três mulheres coloridas ficam olhando para um lugar que não se vê e isso chateia; não podia tornar a ser escravo do sistema ou melhor continuar sendo escravo deste senhor louco; quebrei as amarras armei varais chumbei suportes para rede; verão é verão e rede balançando ventila também. Assim pelo fim quem sabe um tanto de paz de poucas contas de geladeira farta; Dando por vez o sono não dormido durante a noite caio pereço até o entardecer.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Com[jugar] - Sem pretextos

Cuidar:passar a perna sobre a perna.
Proteger:cobrir com um abraço.
Afagar:mão acariciando os cabelos.
Arrepiar:pé deslizando sobre pé.
Conversar:sussurros ao ouvido.
Beijar:matar a sede.
Viver:respeitar os espaços.
Juntar:caminhar de mãos dadas.
Enlouquecer:muito tempo separados.
Desejar:banho de gato.
Amar:misturar suores.




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Céu desabando

Dia que acorda chovendo. Os gatos brincaram por toda noite não me deixaram dormir. Quando por vezes pegava no sono, viajava entre curtos sonhos e pesadelos, acordava suando. Também teve a goteira no teto, irritante, caindo uma após a outra, por vezes mais rápidas, por vezes mais lentas. Hoje o dia promete, hoje o dia chove.
Gota
Gotejando, latejando.
Escorre leve, carrega tudo.
Amansa os pensamentos.
Lava os sentimentos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outra:vez:amor:dor

A escada sobe, sobe, sobe e não dá em lugar nenhum, como se fosse meus pensamentos, só que no meu caso, dá em um único lugar, nela. Nela padeço, pereço, estremeço, viajo, fico, vivo, com ela tive os momentos mais instigantes da minha jovialidade, experimentei o jeito louco e animal de sentir prazer, com ela cresci. Cresci tanto no amor como na dor, porque ela me fez descobrir o gosto do líquido mais precioso e também o gosto do mais odioso líquido amargo. Amargo acordava quando brigávamos, sentia que meu mundo ia desmoronar, pensava que não existiria mais como continuar vivendo sem ela, porque ela era a escada que eu queria subir sempre e nunca chegar a lugar nenhum, porque não me cansava de subir, subir, subir. Subia sempre o meu sexo subia toda vez que pensava nela, encostava-se a ela, sempre, em riste, pronto, e ela, ávida de mim, molhava-se toda, consumia minha carne, meu suor, nossas bocas misturavam-se, loucas, sedentas, línguas mais loucas e sedentas ainda, era assim que nos tornávamos um só. Só que ela diz não me querer mais, que quer conhecer outros mundos, lugares, pessoas, que não pode mais continuar nessa vidinha sem graça, de cidade pacata do interior, sem badalação, que na capital as coisas acontecem de outra forma, de outras formas, mais luzes, mais brilho, mais sexo, mais tudo. Tudo para ela era tão pouco para mim, porque me bastava à amplitude dela, o tamanho que ela tinha na minha visão, enorme, gigante, monstra, ela meu mundo, meus lugares, todas as pessoas, todos os sexos possíveis, ela a minha cidade grande, cosmopolita, iluminada, cheia de ruas, praças, avenidas, carros, festas, diversão, tudo. Tudo parecia tranquilo para mim, ao mesmo tempo em que tudo se agitava quando ao lado dela, mas ela não queria ser de um só, ela não queria se entregar ao amor de um só, ela queria fugir desse serzinho aqui, pequeno, insignificante diante do todo que ela queria encontrar lá fora. E me lembrei da Clarice Lispector: para te morder e para te soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer – Mas ela não está nem aí para mim, ela está na dela, no egoísmo tântrico, na singularidade do seu contexto e eu? Eu fico aqui, entre goles e mais goles de gim com tônica, espiando pela janela, fumando loucamente um cigarro após o outro, pensando o quanto seria bom que ela não fosse, que ela desistisse desse devaneio de ir embora, de me deixar aqui, sangrando meus pensamentos, masturbação mental que cansa e não dá nenhum, mas nenhum prazer. E vejo a escada que não me leva a nenhum lugar, por mais que eu suba, suba, suba, sempre estarei aqui, embriagado do nada, preso ao passado, entre o amor e a dor.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Contra a parede. Certo filme turco.

Aquela letra

- Você está de bom ou mau humor?

- Ambos.

- Você precisa descansar.

- Sei disso. Mas realmente não estou para conversa.

- Tudo bem. Tudo bem.

O amor é um carrossel. Você sempre em círculos, em círculos, num cavalo de madeira, circulo, desce, sobe, desce, sobe. Ninguém entende, eu não entendo. Alias, até tento, penso que o amor não é só a paz e a tranquilidade que eu tanto ouvia nas histórias de finais felizes. Porém a vida adulta chegou faz é tempo e eu subindo e descendo nesse carrossel. Aquele dia em que você disse não, e mais, disse que não havia mais espaço para o nós, que o tempo tinha se findado e agora só nos restava caminhos opostos, distantes. Você tão fria, tão certa de si, no que dizia como agia, e eu um ser pequeno, prestes a ser engolido por você, pelo mundo; logo eu, eu que sempre fui o leão atrás dos zebus, das gazelas, dia após dia, caçando, sabido de si. Agora são somente os cacos de vidro copo do sobre o balcão e eu esfregando as mãos e os pulsos, querendo por um fim nessa conversa, nesse desatino seu, e meu, e nosso, nosso esse que você disse não poder mais, não haver mais, e você vem me perguntar de mau humor, de bom humor, e eu sangrando afundando segurando os fios imaginários do teus cabelos para não morrer, não acabar. Você não entende. É Amor, foi amor, estar sendo amor, mesmo tão prolixo, não o lixo como você parece crer, é amor. Cortaram nossa árvore. Não é possível que não se lembre da nossa árvore, aquela em que tantas vezes nos amamos sob sua copa sombrosa, aquela em que talhamos nossos nomes dentro de um coração torto, mal feito, mas o nosso coração, o coração do nosso amor. Daí você diz: Be happy! Incrível como você passa por cima de mim como um rolo compressor, simples, leve, e compactador, e agora me diz que está feliz, que são outros tempos, mas não o meu tempo com o seu tempo, apenas seu momento:feliz. Não fale mais, não olhe para mim, porque não consigo mais me segurar sobre esse muro estreito, não consigo ser o leão que te caçava todos os dias, tudo que aparece desaparece novamente, eu você o leão, contra a parede, contra o muro, não em cima dele, contra ele, minha cara amassada. E a banda continua tocando, a sua música favorita, eles parecem estar sobre o rio e por detrás a cidade iluminada, menos o meu quarto, o nosso quarto que você abandonou. A musica tocando, a bendita maldita musica tocando, a banda, a cidade, as luzes e eu? Agora realmente é o fim, preciso deixar tudo, deixar esse sentimento ser queimado na madeira da nossa árvore que tombou que cortaram e agora deve queimar em alguma lareira, em algum forno, acabou não é mesmo, é isso que você quer, quis, está querendo. Tudo bem. Você não entende. Eu sangro, eu no muro, contra a parede. Você partindo eu ficando, sem mais. Eu no bar, desandado, bebendo, você saindo, a musica tocando a banda sobre o rio a cidade cacos de vidro balcão pulsos e mãos esfregando sangue a musica findando: “... que meus inimigos fiquem cegos.” Ninguém mais precisa ver o talho na árvore.

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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