segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Dentre todas as marcas – Viagens sobre o dorso do surubim.




A vovó Anita

Ver-te sempre me emocionou. Seja quando estavas a podar e regar tuas roseiras ou quando, centrada e sábia de si, contava-me estórias e histórias do teu tempo de moça. Estar junto de ti sempre mexeu com meu imaginário, com as minhas emoções, seja quando lhe pedia a benção para ouvir “Deus te dê uma boa sorte” e eu sentir minha alma se fortalecer, porque tua benção sempre foi pura energia boa, limpa. O cheiro de teus cabelos brancos, tua comida sempre tão farta e saborosa, que quem quiser chegar sempre será bem vindo. Quando cansado, deitar sobre tua cama e ficar inebriado com o aroma de patchouli dos lençóis. Quando menino, contava-me das aventuras de viagens pelo Rio São Francisco montado num enorme e lindo surubim. E eu via-me junto a ti, descendo pelas águas encantadas do rio, o grande peixe com suas pintas características levando-nos – Juazeiro, Petrolina, Sobradinho e seu lago gigantesco, e íamos, íamos, íamos até a Pirapora. Despertavas em mim o gosto pela aventura, pelo desconhecido do rio, do mundo e nem sabias disso, nem muito menos eu, que pequeno, apenas buscava ir contigo aonde fosses. Hoje sei, sei tanto, que penso no tempo perdido, no justo tempo em que não estavas ao teu lado, para enfrentar ‘aleões’ valentes e carrancas encantadas do rio. Lembro-me dos doces – banana, caju, goiaba, balas de jenipapo, amendoins banhados em chocolate – sabores inesquecíveis de minha infância, do teu zelo para comigo. Ver-te cantar e acreditar que eras uma cantora do rádio, porque assim eu acreditava mesmo, por tua voz afinada, pelo teu porte austero, firme, quase que de sangue nobre com coluna ereta, colar de pérolas como na foto que costumo olhar para matar a saudade, porque diante de tudo que eu sempre soube, desse amor intrínseco, latente, fazia-me longe, porque sempre tive dificuldades de ficar junto depois que aprendi a sair por aí, montado em bichos a desbravar o mundo. Mas essa mesma distância que eu mantinha sempre fez com que eu mais e mais soubesse da tua importância em minha vida, que meu tempero é baseado no teu, meu gosto por música boa como Clara Nunes é porque te ouvia falando e catando ela. Tudo está aqui, em mim, do cheiro das tuas rosas, de me ensinares a rezar antes de deitar – “Meu santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador...”. Ficou o sabor do café ou do chá de erva-cidreira no fim de tarde com sequilhos e bolos que sempre cresciam mais que os dos outros. Ficou a imagem que me destes de vovô, porque não o tendo conhecido, precisava de alguém que me desse os parâmetros, a imagem, o contexto de quem tinha sido ele e quem mais poderia me dizer tanto? E desse tanto, que é muito, um mundo inteiro, como as panelas encostadas na porta com medo dos ladrões, a comida dos cães que eu adorava comer escondido, Osná e Tieta – os papagaios mais sabidos do universo, do pé de pêra, dos passarinhos – canários, sabiás, sofrês, cardeais que amava ouvir cantarem, como em uma grande orquestra. Tudo ficou, é parte de mim, porque em mim estás mais do que mostro, que se fosse precisar levaria dias e noites, e muito seria pouco. Então torno a pedir-lhe a benção e depois de tudo adormecer apalpando teu braço.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Palavreado - De boca para fora

Espalhado. Com o espantalho espantando todos os corvos abutres gentes. Esparramado como pé de bucha sobre a cerca sendo-a própria viva. Aquele algoz está minguando, será na lua nova que dará o último suspiro. Quanto ao que será feito da casa vá se saber pelo fim do verão; até lá muito calor sol ardendo o coro cabeludo rios de suor descendo pelo rego; desta forma não se pensa pouca atitude bastante cerveja gelada porque não há dinheiro para ar condicionado então condiciono o ventilador ligado constantemente soprando um vento morno. Noite passada houve um germinar de saudade mas danei a derramar água fervendo sobre o broto e sobre o ralo pois tinha um rato enorme querendo sair; não suporto ratos baratas e muito menos ervas daninhas; tudo que não presta rende. As três mulheres coloridas ficam olhando para um lugar que não se vê e isso chateia; não podia tornar a ser escravo do sistema ou melhor continuar sendo escravo deste senhor louco; quebrei as amarras armei varais chumbei suportes para rede; verão é verão e rede balançando ventila também. Assim pelo fim quem sabe um tanto de paz de poucas contas de geladeira farta; Dando por vez o sono não dormido durante a noite caio pereço até o entardecer.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Com[jugar] - Sem pretextos

Cuidar:passar a perna sobre a perna.
Proteger:cobrir com um abraço.
Afagar:mão acariciando os cabelos.
Arrepiar:pé deslizando sobre pé.
Conversar:sussurros ao ouvido.
Beijar:matar a sede.
Viver:respeitar os espaços.
Juntar:caminhar de mãos dadas.
Enlouquecer:muito tempo separados.
Desejar:banho de gato.
Amar:misturar suores.




terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Céu desabando

Dia que acorda chovendo. Os gatos brincaram por toda noite não me deixaram dormir. Quando por vezes pegava no sono, viajava entre curtos sonhos e pesadelos, acordava suando. Também teve a goteira no teto, irritante, caindo uma após a outra, por vezes mais rápidas, por vezes mais lentas. Hoje o dia promete, hoje o dia chove.
Gota
Gotejando, latejando.
Escorre leve, carrega tudo.
Amansa os pensamentos.
Lava os sentimentos.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outra:vez:amor:dor

A escada sobe, sobe, sobe e não dá em lugar nenhum, como se fosse meus pensamentos, só que no meu caso, dá em um único lugar, nela. Nela padeço, pereço, estremeço, viajo, fico, vivo, com ela tive os momentos mais instigantes da minha jovialidade, experimentei o jeito louco e animal de sentir prazer, com ela cresci. Cresci tanto no amor como na dor, porque ela me fez descobrir o gosto do líquido mais precioso e também o gosto do mais odioso líquido amargo. Amargo acordava quando brigávamos, sentia que meu mundo ia desmoronar, pensava que não existiria mais como continuar vivendo sem ela, porque ela era a escada que eu queria subir sempre e nunca chegar a lugar nenhum, porque não me cansava de subir, subir, subir. Subia sempre o meu sexo subia toda vez que pensava nela, encostava-se a ela, sempre, em riste, pronto, e ela, ávida de mim, molhava-se toda, consumia minha carne, meu suor, nossas bocas misturavam-se, loucas, sedentas, línguas mais loucas e sedentas ainda, era assim que nos tornávamos um só. Só que ela diz não me querer mais, que quer conhecer outros mundos, lugares, pessoas, que não pode mais continuar nessa vidinha sem graça, de cidade pacata do interior, sem badalação, que na capital as coisas acontecem de outra forma, de outras formas, mais luzes, mais brilho, mais sexo, mais tudo. Tudo para ela era tão pouco para mim, porque me bastava à amplitude dela, o tamanho que ela tinha na minha visão, enorme, gigante, monstra, ela meu mundo, meus lugares, todas as pessoas, todos os sexos possíveis, ela a minha cidade grande, cosmopolita, iluminada, cheia de ruas, praças, avenidas, carros, festas, diversão, tudo. Tudo parecia tranquilo para mim, ao mesmo tempo em que tudo se agitava quando ao lado dela, mas ela não queria ser de um só, ela não queria se entregar ao amor de um só, ela queria fugir desse serzinho aqui, pequeno, insignificante diante do todo que ela queria encontrar lá fora. E me lembrei da Clarice Lispector: para te morder e para te soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer – Mas ela não está nem aí para mim, ela está na dela, no egoísmo tântrico, na singularidade do seu contexto e eu? Eu fico aqui, entre goles e mais goles de gim com tônica, espiando pela janela, fumando loucamente um cigarro após o outro, pensando o quanto seria bom que ela não fosse, que ela desistisse desse devaneio de ir embora, de me deixar aqui, sangrando meus pensamentos, masturbação mental que cansa e não dá nenhum, mas nenhum prazer. E vejo a escada que não me leva a nenhum lugar, por mais que eu suba, suba, suba, sempre estarei aqui, embriagado do nada, preso ao passado, entre o amor e a dor.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Contra a parede. Certo filme turco.

Aquela letra

- Você está de bom ou mau humor?

- Ambos.

- Você precisa descansar.

- Sei disso. Mas realmente não estou para conversa.

- Tudo bem. Tudo bem.

O amor é um carrossel. Você sempre em círculos, em círculos, num cavalo de madeira, circulo, desce, sobe, desce, sobe. Ninguém entende, eu não entendo. Alias, até tento, penso que o amor não é só a paz e a tranquilidade que eu tanto ouvia nas histórias de finais felizes. Porém a vida adulta chegou faz é tempo e eu subindo e descendo nesse carrossel. Aquele dia em que você disse não, e mais, disse que não havia mais espaço para o nós, que o tempo tinha se findado e agora só nos restava caminhos opostos, distantes. Você tão fria, tão certa de si, no que dizia como agia, e eu um ser pequeno, prestes a ser engolido por você, pelo mundo; logo eu, eu que sempre fui o leão atrás dos zebus, das gazelas, dia após dia, caçando, sabido de si. Agora são somente os cacos de vidro copo do sobre o balcão e eu esfregando as mãos e os pulsos, querendo por um fim nessa conversa, nesse desatino seu, e meu, e nosso, nosso esse que você disse não poder mais, não haver mais, e você vem me perguntar de mau humor, de bom humor, e eu sangrando afundando segurando os fios imaginários do teus cabelos para não morrer, não acabar. Você não entende. É Amor, foi amor, estar sendo amor, mesmo tão prolixo, não o lixo como você parece crer, é amor. Cortaram nossa árvore. Não é possível que não se lembre da nossa árvore, aquela em que tantas vezes nos amamos sob sua copa sombrosa, aquela em que talhamos nossos nomes dentro de um coração torto, mal feito, mas o nosso coração, o coração do nosso amor. Daí você diz: Be happy! Incrível como você passa por cima de mim como um rolo compressor, simples, leve, e compactador, e agora me diz que está feliz, que são outros tempos, mas não o meu tempo com o seu tempo, apenas seu momento:feliz. Não fale mais, não olhe para mim, porque não consigo mais me segurar sobre esse muro estreito, não consigo ser o leão que te caçava todos os dias, tudo que aparece desaparece novamente, eu você o leão, contra a parede, contra o muro, não em cima dele, contra ele, minha cara amassada. E a banda continua tocando, a sua música favorita, eles parecem estar sobre o rio e por detrás a cidade iluminada, menos o meu quarto, o nosso quarto que você abandonou. A musica tocando, a bendita maldita musica tocando, a banda, a cidade, as luzes e eu? Agora realmente é o fim, preciso deixar tudo, deixar esse sentimento ser queimado na madeira da nossa árvore que tombou que cortaram e agora deve queimar em alguma lareira, em algum forno, acabou não é mesmo, é isso que você quer, quis, está querendo. Tudo bem. Você não entende. Eu sangro, eu no muro, contra a parede. Você partindo eu ficando, sem mais. Eu no bar, desandado, bebendo, você saindo, a musica tocando a banda sobre o rio a cidade cacos de vidro balcão pulsos e mãos esfregando sangue a musica findando: “... que meus inimigos fiquem cegos.” Ninguém mais precisa ver o talho na árvore.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Eu, ela, uma taça de vinho francês e a samambaia

Ardia o calor, algo verdadeiramente insuportável. O cheiro de tinta fazendo queimar a saudade em meu peito. Fui sentar à porta de casa, apenar uma luz âmbar encandeando a moradia, a taça à mão, segunda da noite, um extraordinário vinho francês e Maria Bethânia cantando com seu jeito único, meio que narrando toda essa ebulição do meu ser. Não havia com quem conversar, olhei para o lado, apenas a samambaia, nada mais, tudo além. Mesmo com tão pouco, minha boca começava a mudar de cor por conta do vinho e meus pensamentos em chamas. Lembranças são sempre lembranças, mas em certo ponto começam a se tornar ilusões perdidas, porque sempre que buscamos contar a alguém, enfeitamos tanto, que mais são o que gostaríamos que tivesse sido do que o que realmente foram. Vários cigarros. Recitando ao mesmo tempo em que ela jogava as palavras aos ventos: “Senhores sou um poeta, um multipétalo uivo, um defeito e ando com uma camisa de vento ao contrário do esqueleto, sou um instantâneo das coisas apanhadas em delito de paixão, sou uma impudência a mesa posta, de um verso onde o possa escrever. Ó subalimentados do sonho a poesia é para comer.” * Percebo-me assim, quem sabe, cansado de tudo, do calor, da falta de vento, da samambaia calada em minha frente, do gosto travoso do vinho, de Bethânia tão certa e tão clara no que diz, que cedo-me ao sono, concentro-me em minha viagem única e particular, afinal, o mundo não vai parar de girar e nem muito menos deixarei de sentir saudade. E samambaias não falam. Nem escutam. São apenas samambaias dependuradas.

*Colagem feita por Maria Bethânia a partir do Poema A defesa do poeta de Natália Correia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010


POEMA SUJO

Forrados de poeira:entregues.
Sobre o chão há muito varrido:partes do todo.
Sorviam-se; melavam-se; mais e mais.
Suor e sujeira:lama.
Beijos e espasmos:deleite.
Quando parecia que tudo estava fora do lugar:encaixe.
Quando não havia mais jeito:gozo.
Tudo tornou-se só esquecimento:preguiça.
Leves; um ao lado do outro:consentimento.
Sorrisos para o teto: para dentro.
Forrados de amor:desleixados.

domingo, 21 de novembro de 2010

Tonto: Perdido no caso do acaso causado

Parque de diversões abandonado. Palhaços sem risos sem graça sem piadas e brincadeiras divertidas. Já não se tem quem queira ir rodar na roda gigante rodante nem trem fantasma, carros que batem batem batem batem, muito menos casais dividindo uma única maçã do amor, nem crianças com bocas meladas de algodão doce. Jovens que se transformam em adultos mal humorados cansados fatigados consumidos pelas drogas que agora dão o movimento de girar da roda gigante que gira doidamente varrida. Os parques agora são as ruas sem saída mal cheirosas, feito os ralos que escorrem correm baratas e ratos e bichos vários. Para que buscar tanto palavras exatas para as coisas e sentimentos e ações se o que vale mesmo é entender o sentido as coisas sentimentos e ações. Mas afinal ninguém está buscando entender nada muito pelo contrário pelo jeito tudo está perdido eu você eles aqueles porque tudo está se indo esvaindo como o bebum que está vertendo todo o líquido etílico da garrafa no copo para virar gute-gute e sair dali para passar pela mesma ruazinha absolutamente fedorenta e ele mesmo do mesmo jeito depois passar pelo parque de diversões abandonado coabitado por mendigos e ver a roda gigante parada porém ele mesmo está rodando rodando cambaleando em torno de si e chega em casa agressivo batendo queimando xingando a esposa e a filha e o filho e a vizinha e mais ainda a sogra que pariu aquela filha de alguma coisa. Mas foi ele, o bebum, que foi tirar a mesma filha de alguém para desposar-lhe e prometer cuidar zelar na saúde na tristeza na alegria na morte não bem mesmo nesta ordem mas provavelmente com este fim. Mas faltou humor, faltou criação e parque de diversões com roda gigante natural que roda roda roda girando em torno de seu eixo central. Não existiu infância saudável, aquela que muitos passaram e que muitos não passarão e serão bebuns drogados fritando. Pode-se achar de alguma forma que descrente de tudo decidiu-se escrever isto e assim praguejar contra o parque a rua de cheiro de ralo cheios de baratas e ratos, mas toda vez que se vê um parque de diversões fechando as portas e abandonados ao desgaste ferrugem maresia ventos de alguma forma vê-se crianças tomando rumos diferentes que os dos nossos pais tios e amigos deles e nós mesmo.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Chão forrado: primavera descuidada

Bem que precisava dessa primavera mais florida. Não que já esteja tudo em flores, apenas os ipês começaram a florir. Gosto dos ipês, de como se enchem de uma hora para a outra de flores: rosas, amarelas, brancas. E gosto mais ainda quando as flores começam a cair e forrar o chão e vai me dando uma sensação de eu mesmo estar florindo e depois caindo. É nesse período que alguns pensamentos voltam, ficam mais férteis, como se soubesse que logo após virá o verão ensolarado de vida, para brotar mais vida no outono.

Mas sinto que ainda faltam mais flores e mais flores e mais flores para me sentir próprio dentro colorido o suficiente para ficar ao sol, ao som de Bach, tão furtivo e ao mesmo tempo tão centrado. Hoje pensei em sair correndo por uma avenida, assim que vi os ipês cedendo suas folhas verdes para centenas milhares de flores rosas e brancas. Resignado, resisti à tentação e continuei andando, pensando no futuro, no dia de amanhã, que despertará intangível e me fornecerá a mesma avenida com flores pelo chão – e então não sei se conseguirei segurar o ímpeto de correr na cama de cores, de pétalas.

Ao mesmo tempo em que transbordo em ver-me florido refletido em copas e avenidas, percebo-me inconsequente, largado, como a própria flor que caíra. Louco para querer ficar preso ao galho, mas como sina intransferível vejo-me caindo lentamente para ser pisado e secar ao mesmo sol que me fará frutífero. Descuido? Não, reação natural, consequência lógica do seguir adiante para nascer sementes, gerar mudas, e crescer árvores floridas.

Qualquer dia próximo, mas muito próximo, não serão somente os ipês que darão as cores de minha alma, mas bromélias, orquídeas, gerânios, hortênsias, margaridas, calêndulas que sempre estão a florir, roseiras, acácias, flamboyants, girassóis a girar, e todas outras tantas que peculiares, brindam o dia e a noite com cores e perfumes. E eu, descuidado e preciso, terei mais motivos para correr entre parques, praças, ruas, avenidas ou mesmo ficar parado e ver florir os pensamentos.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ver[de] perto; Ver[de] longe – Saguis na janela

Merthiolate; Mercúrio; Calêndula; Precisava por alguma coisa sobre o corte no dedo. Não era comum ir à cozinha para demorar tanto. Mas sua visita adorava doce. Além disso, também decidiu fazer um prato salgado. Maldita hora. Merthiolate ardia. Mercúrio melava demais. E sua mãe sempre dizia: “Não há nada de melhor que calêndula para estancar um corte.” Doce de leite. Doce deleite. Aprendiz de qualquer coisa, inúmeros contextos desafogados, conseguia até desfrutar de momentos com ele, sentia-se mais usada que qualquer outra coisa, mas eram tempos difíceis, já não se encontrava homens de verdade, com cheiro, jeito, voz, corpo, sentimento de homem, e o melhor que poderia fazer era segurar, mas se agarrar mesmo a este que, quando vinha, lhe fazia ir à cozinha, esquentar a barriga no fogão. Quase meio de tarde, sol de outono, os saguis rondando a janela a espera da banana e papa de farinha, refeição vespertina que ela insistia em por. Certamente às dezoito horas ele chegaria, ainda com a farda do exército brasileiro, fumando seu cigarro de palha de milho, que ele dizia não fazer tanto mal quanto os industrializados; quando chegava à porta colocava um pouco de loção pós-barba para abafar o cheiro do mesmo cigarro que ela não gostava. Ela gostava desse ritual quase matrimonial dele, de agradá-la pelo menos nesse aspecto. Vez ou outra ele lhe trazia uma flor, um bombom de côco, mas na maioria das vezes, na mão direita o quepe e a esquerda segurando a mochila de mesmo material da farda e nada de prendas. Na frequência do rádio Dolores Duran cantando Cry me a river. Ela sempre chorava quando ouvia essa canção. Estava tudo pronto. O dedo já não sangrava mais, porém latejava. Pôs o jarro de margaridas e boninas sobre a mesa, tudo estava em ordem, faltava só à presença dele. Era hora de se banhar e por o vestido novo de cambraia branca. Demorou mais que de costume no asseio, isso não a incomodava, pelo contrário, gostava da sensação de frescor. Ajeitou o cabelo em um coque, perfumou-se com seiva de patchouli. Faltava pouco tempo, o suficiente para ela passar um café e assistir o primeiro capítulo da novela. Não tardou a ouvir os passos pesados de coturnos no corredor. O cheiro característico de fumaça e pós-barba chegando logo as suas narinas. O bater dos nós dos dedos na porta, os saguis observando tudo, ela deixando cair os cabelos sobre os ombros, logo em seguida abrindo a porta. Ele sorri com o canto da boca, ela dá a passagem com outro sorriso de olhos no chão. Ele nada diz apenas a beija calorosamente ela se entrega lânguida; tenta falar do doce e ele sussurra em seu ouvido que ela que é um doce; os saguis começam a deixar a janela pela galha do jambeiro; ele investiga seu corpo com suas mãos pesadas e ásperas, ela amolece ainda mais, pensa no corte do dedo; ele se abaixa enquanto levanta o vestido tão bem engomado, beija-lhe a barriga, ela se arrepia dos pés a cabeça, ele pergunta de quem é ela e então num pulo ela se encaixa em seus quadris e grita: sua, toda sua. Ele enlouquece, ela também. Sem muito esforço ele a carrega até o quarto e sorve seu corpo com a ânsia de recruta interno há trinta dias. Ela o consome com a esperança de um casamento de trinta anos. Ambos deleitam-se em doce de leite. Cada um com seus pensamentos enquanto o ranger dos pés da cama no chão de tacos de madeira. No fundo se amavam mais do que podiam perceber. No raso estavam presos a essa rotina camuflada. Doces. Salgado suor. Saguis na janela. Vendo verde farda de perto. Vendo verde horizonte longe. Apenas um fim de semana juntos e mais trinta dias de espera.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Encaixe: abrir e cortar.

Janela de correr. Porta de andar. Pernas de ficar. Grades de desproteger. Assim andava tudo, assim vivia a agonia, instaurada, papeis sobre a cama, sobre a mesa, sobre as cadeiras, sob o teto muitos papeis. Tudo muito desorganizado. Paredes exalando cheiro de tinta. Incensos não resolviam o problema, tudo misturado ao cheiro de cigarro, de conhaque. Buscava uma idéia, mas não qualquer uma, mas a idéia original, que desce ponta-pé para um novo texto, ao discorrer de alguma história que lhe rendesse páginas e mais páginas de um novo livro. Não seria justo que depois de um grande sucesso como o primeiro lançamento ele estivesse destinado ao fracasso, à cabeça vazia, a boca seca, uma vontade enorme de sumir, de não pensar em nada ao mesmo tempo em que tudo pedia que pensasse. Dois comprimidos para dormir, mais uma bela dose de conhaque, um pão com presunto de Parma e tomates bem maduros para forrar o estômago vazio. A sonolência chegando encomendada, pois há dias não pregava os olhos, não sonhava, não roncava. Chamou os gatos para perto de si, deitou-se no sofá para um cochilo. Dezoito horas depois, um despertar mole, pernas dormentes. Como conseguira dormir tanto, era o que pensava. Lembrou-se dos comprimidos. Os gatos miavam desesperados de fome, esperou que o formigamento das pernas diminuísse, colocou água para ferver. Precisava de um café forte. Foi generoso com os gatos misturando sardinha à ração. Comeram refestelados. Enquanto coava o café, a fumaça subindo e inundando os pulmões com seu aroma, olhou fixamente para o abridor de latas que tinha usado para abrir a lata de sardinhas e pensou naquele objeto como uma chave que abrisse as portas e janelas do mundo, entre o penetrar e cortar; ligou o rádio, tocava um sofisticado jazz, depois dos primeiros goles na xícara que herdara da mãe, um cigarro aceso, foi ao banheiro fazer escorrer o resto de sono pela pia, percebeu suas mãos brancas há tanto longe de sol, olhou-se nos espelho e se viu diante de outras portas, rodeadas por profundas olheiras escuras, apanhou o cigarro no canto da pia e tranquilamente caminhou par encontrar papel e caneta. O título já havia lhe chegado: O abridor de portas. Sobre o que escreveria? A cerca da forma não observada de chegar, de entrar, de inundar, de escorrer para dentro e para fora. E então tudo parecia se encaixar, a mão a discorrer, louca, inúmeras palavras umas atrás das outras, papel e mais papel, percebeu-se com fome, pensou em não parar, podia perder o fio da meada, mas recordou que foi o descanso que lhe trouxe a idéia e precisava comer, pois carecia estar forte para tanto, ovos mexidos quem sabe ou pedir uma pizza, o jazz que tocava se encerrou com o bater da caixa de marcação.

sábado, 6 de novembro de 2010

Ultimatum - Álvaro de Campos

Não costumo ficar citando outros autores, mas de quando em vez faz-se necessário. Pelo amor de Deus maravilhoso, digam-me que homem é esse que fala por si e por todos nós? Digam-me o que pretendemos nós, aqui, soltos, livres, descobertos nos sentidos mais amplos da palavra, se este que diagnosticou há tanto, e até então nada foi feito? Calo-me, porque só o que ele diz e que é tudo, fala por si e por mim e por todos.



Mandato de despejo aos mandarins do mundo

Fora tu,
reles
esnobe
plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade
e tu, da juba socialista, e tu, qualquer outro
Ultimatum a todos eles
E a todos que sejam como eles
Todos!

Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral
Que nem te queria descobrir

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo
Vós, anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores
Para quererem deixar de trabalhar
Sim, todos vós que representais o mundo
Homens altos
Passai por baixo do meu desprezo
Passai aristocratas de tanga de ouro
Passai Frouxos
Passai radicais do pouco
Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa
Descascar batatas simbólicas

Fechem-me tudo isso a chave
E deitem a chave fora
Sufoco de ter só isso a minha volta
Deixem-me respirar
Abram todas as janelas
Abram mais janelas
Do que todas as janelas que há no mundo

Nenhuma idéia grande
Nenhuma corrente política
Que soe a uma idéia grão
E o mundo quer a inteligência nova
A sensibilidade nova

O mundo tem sede de que se crie
Porque aí está apodrecer a vida
Quando muito é estrume para o futuro
O que aí está não pode durar
Porque não é nada

Eu da raça dos navegadores
Afirmo que não pode durar
Eu da raça dos descobridores
Desprezo o que seja menos
Que descobrir um novo mundo

Proclamo isso bem alto
Braços erguidos
Fitando o Atlântico

E saudando abstractamente o infinito."

Álvaro de Campos, em 1917

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Eu via, lia, esboçava, pensava, amava, sentia.




Aquela imagem não me sai do pensamento. Enquanto eu a olhava, minha memória viajava, vagueava por caminhos um tanto distantes. Por vezes, queria se prender ao passado, porque a sensação viva latejava, consumia, sentia prazer, amava incondicionalmente, como hoje ainda ama, aqui, sem sair de si, apenas lembrando, mas ama um amor tão pleno, sem desgostos, queimando sem machucar, sem ciúme, sem apego de querer só para si. Aquela imagem não era apenas uma imagem, mas o desenho perfeito, o rabisco imaginário presente, o corpo, a alma, a representação do carinho, o sorriso manso, algumas vezes desafiador. Seu jeito ativo, altivo, sua voz limpa, suas palavras novas em meu vocabulário, a forma como ri quando beijo-lhe o pescoço, porque sente cócegas. O tempo vai passando e a distância me faz rever, buscar sempre a sua imagem, porque sempre que me olho no espelho, vejo-me vendo, vejo-me ela, vejo-me sendo o seu jeito de encarar o mundo e as pessoas, vejo-me seu. Um dia eu não terei mais que essa imagem, porque não foi nos dado o poder de estar sempre de forma física, constante, mas a imagem, ah essa imagem! Rainha de tudo que cabe em mim e o que transcorre, evapora, escorre, salta. Ontem tive um sonho e era tão real, ela chegou perto da porta e disse: “Neto, corre ali, pega aquela galinha, porque a água já está fervendo.” E eu, sabido, danado, feliz pela missão dada, corria, cansava a mim e a galinha, mas a pegava. E no sonho tinha os pés de São João floridos num amarelo marcante, tinha o cheiro do fogo de lenha queimando na cozinha com pouca luz, tinha o gosto da gemada tomada um pouco mais cedo. Aquela imagem está viva, rica de detalhes, eu via, lia, esboçava, pensava, amava, sentia. E tudo isso também em presente, como presente recebido em dia de aniversário, em todo dia que é dia de tê-la como minha, como nossa. E acordei quando lhe tomava a benção e ela, forte em si, em tudo, respondeu-me: Deus te abençoe.


A vovó Lilita, Rainha de mim.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Lua, Lua, Lua

Surgindo com um clarão.
Por detrás da mata sobre o morro.
Faz a árvore transformar-se em desenho sobre o céu.
Aquela que é cúmplice dos amantes,
que faz a matilha encarar os céus em uivos desvairados.
O grito do pavão noite a dentro.
A coruja espantando o medo.
A bela taciturna, dourada,
Por mais que demore a aparecer,
sabe-se que irá calar a quem quer que seja,
pois tamanha a sua plenitude,
a lua brilha e domina a natureza.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Se te serve de consolo, que sejas então

Eu não detenho o rancor. O mar que repete o céu cinzento. Etta James cantando ‘At last’: “Tola que sou eu, por ter me apaixonado por você...”. Chegou ao fim. O choro que quer cair. Por favor, não faça isso. Engolindo a seco meu orgulho. Não vês que teu lugar é ao meu lado. Queria mesmo que tudo isso não passasse de um pesadelo e que a qualquer momento despertarei. Guardei tuas coisas com carinho após lavá-las. Desde que decidiste me dizer que eu era a outra, que eu era a amante, que tento esquecê-lo, mas não consigo, deixei-me levar por esse sentimento tolo, mas o que eu poderia fazer afinal? Se teu jeito de me falar me faz ter os nervos estremecendo, se padeço desta forma louca de querer-te a todo tempo e minhas pernas ficam bambas. “... E, oh, todas as coisas que eu havia planejado...” Mas já que nada posso fazer apenas te quero, mesmo que isso me custe não poder desfrutar de tua presença todas as vezes que eu desejar. Porque tantas vezes terei de segurar o gozo, prender minhas pernas e não me deixar molhar quando me perder em pensamentos e lembranças de tuas visitas rápidas, de nós dois pelas ruas e becos, como dois apaixonados. Não te odeio por isso, porque me prendo a tua sinceridade e nem me odeio por te amar. Pois se caí nas garras desta paixão é por que nada mais tinha a fazer, apenas estou indo conforme a correnteza. Então não diz mais nada, não relute, venha quando quiser, quando puder. Mas venha, porque estarei te esperando.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Cordão, novelo, costura

O estalo da vértebra, a artéria que leva o sangue pulsante, quente. Abismos devem existir, aqui, acolá, mas sempre há um espaço preciso do gostar ou então o que seria aquele arrepio na espinha? Viajo dentro, corro por ali, selvagem sim, mas delicado quanto um toque nervoso de primeiro encontro. Não cabia mais desprezar os sentimentos internos, nem de um nem do outro. A partir dali, passos não deveriam ser pensados demais, palavras deveriam ser ditas com a precisão da verdade, porque o enrolar dos nervos não faz bem, causam desconfiança mútua. Mas enquanto um pensava na melancolia do jazz o outro lembrava a canção do Cazuza: “Meus olhos são bem grandes pra te secar, minha boca é um bueiro que vai te sugar...”. Do oblíquo desejo de um lado – o juntar os panos de bunda, as escovas de dente. Já do outro, sexo prático, sem certeza de muitos dias na mesma companhia. Não que ambos desconhecessem a possibilidade de uma vida-acasalada-perfeitinha-em-casa-de-janelas-brancas, mas talvez estivessem presos demais as convenções do tipo de vida que levam aqueles que fogem às regras, mas que acabam vivendo a base delas. Se um subia a ladeira lentamente para depois descer novamente em disparada, aquele simplesmente esperava em baixo, afinal, para que se cansar? Sentar a mesa do bar – água com gás de um lado e do outro rum com coca-cola. Sabidos de suas diferenças agudas, traçavam maneiras de continuar com aquilo tudo – este pensava nos uivos e deleite em cama, mesa e banho; já aquele, saber que podia contar com alguém quando a solidão estivesse tão amarga quanto o gosto de fel que estraga o frango. Os dias passando, os meses e anos também e assim foram se afinando, como aquela estória dos porcos-espinhos no forte inverno. “Viver é bom, partida e chegada, solidão que nada...”. Espantavam qualquer vontade de sair por aí, de deixar para trás o que lhes prendiam, porque no fundo, desde o primeiro dia, sabiam que cabiam um ao outro, mesmo sôfregos de tanto acharem que não combinavam e que tudo não passava de um desalento, de uma forma de um usar o outro para surrupiar a solidão que os assolavam quando ainda solteiros e detentores do ar jovial e maléfico de só pensarem nas conquistas da noite, do sexo fútil e o acordar sozinhos. Outros tempos agora, os finais de semana sempre juntos, programas mornos que tanto desprezavam e que passavam a dar tanto sentido as suas vidas. Ao fim de mais uma noite de sábado comendo pipoca em frente à TV, um olhou para o outro, e sem mesmo pestanejarem, disseram-se: Amo você. Instantaneamente, ao mesmo tempo. Depois veio o beijo. Era o fim do filme que assistiam, era o início do cair à ficha, que tanto tempo ficou presa ao orelhão. Ambos começavam a ouvir o que o outro tinha a dizer e claro, a entender o que queriam esconder.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

CONVERSA DESATADA NUM ESTALO, SÓ

Toda espera cansa, angustia. Existe um conforto nesta reclusão. Passado a limpo o contexto inodoro, sentia na boca um gosto desconhecido, enquanto o café esfriava na caneca de esmalte branco. Era fim de tarde, o calor amolecia o corpo e fazia as moscas voarem baixo. Não passava um vento sequer, todas as árvores paradas enquanto fervilhavam no horizonte visto pela janela. Sobre a mesa de madeira reciclada farelos de pão acumulados nos últimos dias. Não há mais panos de chão limpos, a pia amontoada de pratos e panelas – só re-lavando a caneca de café. Não acendia mais incensos de canela, porque de nada adiantaria deixar o ambiente afrodisíaco. Quando do cair completo da noite: colocar comida para os gatos e os cães. Ainda resta ração suficiente para mais dois dias. Quarenta e oito horas aguardando alguma coisa, alguém, um telefonema, carta ridícula qualquer, um vento ou mesmo força estranha que me faça lavar os pratos. O disco da Maria Callas tocando repetidamente. A qualquer momento os vizinhos devem reclamar, mas não abrirei a porta. Joguei na loteria, sonhei com minha filha, mas desde que a mãe se casou com o chileno, isso há quatro anos, só ligações no meu aniversário e no natal, nada mais, nem uma foto pelo correio. Sinto saudade daquelas bochechas rosadas e boca vermelha me chamando de papai. Alias, creio que seja a única coisa da qual sinto saudade. Porque isso é um privilégio para poucos. Algumas pessoas contam os dias para a chegada das férias, eu particularmente, além de ter vendido parte do tempo, rezo para voltar a trabalhar, lembro de minha avó me dizendo: “mente vazia é oficina do diabo.” E creio que seja mesmo, afinal de contas, não tenho pensado em nada que preste. Mas o pior de tudo, é que depois que as moscas se aquietaram os pernilongos desataram a me encher o saco, minhas pernas estão queimando. Pelo adiantado da hora, a barriga roncando, algo precisa ser feito para alimentar esse corpo – o resto de sopa de ontem com pães dormidos poderão me deixar mais tranquilo. Quem sabe pegar no sono.

domingo, 17 de outubro de 2010

Imperial

*
*
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A letra deitada sobre o papel.
O cheiro de tinta exalando.
O frescor dos pensamentos
e os sentimentos aflorados.
O tic-tac esplendoroso da madrugada.
Os dois bem-ti-vis na folha da palmeira,
o toc-toc sobre a cabeça,
a dureza do passado solvente,
dissolvendo grosso presente,
entre o destilar de veneno,
serpentes horas a rodar,
enquanto samba a felicidade, alheia,
com não me toques e comigo ninguém pode.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Dia 5

Não sabia que música era aquela que entrava pela janela, nem muito menos de quem era aquela voz doce e afinada, mas começava a perceber que alguma coisa estava diferente, que o amanhecer surgia com uma energia extraordinária. Era comum ser acordado pelo barulho infernal do metrô ou pelo bate estaca da construção da esquina, mas jamais tinha despertado de forma tão prazerosa. Dia cinco de fevereiro; Esta era a data anunciada no meu calendário de geladeira. Enquanto tomava o copo com água matinal me lembrei que dali a exatamente um mês eu estaria comemorando o meu aniversário e que de alguma forma começava a se aproximar o meu inferno astral e por mais que eu não acredite nisso, os dias antes de meu aniversário sempre são dignos do rei das chamas profundas cheirando a enxofre. Mas eu não queria me apegar a esse detalhe, pois além do meu dia começar genuinamente maravilhoso, poderia me ater ao fato de que me casei no dia cinco de junho, que meu filho nasceu no dia dez de dezembro que é o dobro de cinco, que meus irmãos fazem aniversário dia cinco de outubro. E que na mesma data só que do mês de janeiro deste ano, minha mãe completou cinquenta e cinco anos. São muitos cincos em minha vida e todos dadivosos, isso sem citar que me separei no dia cinco de agosto, que sem dúvida foi à melhor coisa que fiz em minha vida. Neste dia calmo e musical quero ficar em casa, que por ser dia de pagamento, não quero gastar um centavo sequer. Pronto! Decidido. Ficarei em casa, degustando esse sentimento de tranquilidade e liberdade.
*
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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Pedra no sapato dos outros é suco de caixinha.

Sem mais atitude que lhe desse aspecto de vivo, percebeu que suas forças não mais vigoravam, pelo contrário, sumia a cada hora, desvanecia a cada dia. Buscava explicações e sentido para sua jornada sem lógica, mas só encontrava opacidade e caminhos cada vez mais tortos e pedregosos. Não tinha mais pai ou mãe que lhe dessem conselhos, mas também quando os teve desfez-se, não quis ouvir balelas. Agora que chegou o tempo das vacas magras, só tinha a si próprio e mais ninguém que lhe confortasse a cabeça em colo macio. Sabia que onipotente de si, mesmo sem sustança nenhuma, cabia só a ele vencer ou desfalecer. Chegava então o tempo de calçar botinas e ir ao ou de encontro a tudo e a todos. Mas como até agora não tinha feito nada, a letargia dormia tranquila com o desespero, decidiu que somente amanhã dava inicio aos novos tempos, ficar na cama numa segunda-feira era a melhor maneira de vencer mais um dia.

sábado, 9 de outubro de 2010

Sina e Seguir

Força equilibrada
Contexto arraigado de história
O meu sentir mais completo
A minha vida mais sentida
O desmembrar dos caminhos
O seguir mais florido

sábado, 2 de outubro de 2010

Danado com o mundo - Do egoísmo e do heroísmo.

Graças a Deus ela não falou. Por mais que eu a ame, muito me custa ouvir sua teorias absurdas sobre o consciente, o inconsciente, sobre os sonhos, sobre os signos e os sinais. A mania que ela tem de fazer previsões não confirmadas, de levantar o rosto para sentir o vento e dizer que vai chover, de ler Santo Agostinho e o Apocalipse e evacuar tramas loucas sobre humanos que não são humanos e sim seres de outros planetas e que a qualquer momento irão mostrar suas caras, caretas e tarjas pretas e o mundo entrará em tempos de cólera e sofreguidão. Amo demais essa mulher, mas gostaria que ela fosse normal, que me fosse uma Amélia, que me escrevesse cartas de paixão e saudade, mas ela parece não se apegar a nada, não crer que eu me apaixonei e que muito mais gostaria de fazer do que divagar sobre o som da chuva, a poluição do planeta e o canto das baleias. Ela diz que escorpião e leão fazem loucuras na cama e logo eu que nem sabia que era leonino. Mas se ela sabe disso porque não se entrega de vez para mim? Não creio que nada conste em seu ser que não a deixe apegada a mim, pois são anos a fio, são diversas noites - ela consumindo xícaras e mais xícaras de chá alucinógeno e eu taças e mais taças de vinho. A minha persistência às vezes se cansa, mas quando ela para de falar e me olha com olhos de volúpia enquanto enrola uma mecha de cabelos, não caibo em mim, o meu apetite de fazer amor dilata minhas veias, irriga meu cérebro. Corro para cima, ela faz doce, fico mais louco, ela me afasta com suas pernas grandes, reluto, ela me empurra, caio, ela abre as pernas, sinto seu cheiro, ela ri, afogo-me, ela delira, arranho com minha barba, ela grita, nos entrelaçamos. Penso que tudo vai ser diferente, que ela não vai sair correndo depois de tudo, que vamos continuar deitados no chão da sala, que ela permanecerá deitada em meu peito. Mas ela torna a falar dos signos, que escorpiões matam depois da cópula, que ela tem medo do que possa fazer comigo, ela chora, fico calado, ela soluça, tento confortá-la, ela levanta-se, peço que fique, ela diz que é noite de lua nova, imploro que não se vista, ela vira o ultimo gole de chá, digo que a amo, ela me olha calada, repito que a amo, ela caminha até a porta, levanto e vou ao seu encontro, ela me dá um beijo no rosto e fala que está partindo para outro mundo, peço que não vá, ela bate a porta.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Com fuso perdido entre horário e anti-horário.


Sinuoso caminho
Entre brumas que escondem os olhos
Entre olhos que não querem ver
O mundo que quer desaparecer por entre os dedos
Fumaça espessa de cigarro ardendo o olfato
Água barulhenta entre os meus pés
Terra quente por meus ouvidos
Capim verde amargando a pele
Curva abstrata na memória da boca
Caminho cínico perdido entre abismos de mãos
Não cabe mais,
Não vive mais,
Não chove mais,
Não ri mais,
O estender esgarçado roeu as linhas do tempo
A loucura nefasta comeu o último pedaço de doce
A voz dolorida cantava histérica,
Os ouvidos ansiosos nada podiam ouvir,
Olvido de tudo o nariz nada sentia, apenas queria sentir
Os pés não corriam, não andavam, sôfregos
Perdeu-se tudo,
Se tudo perdeu,
Tudo se perdeu,
Perdeu tudo se,
Divina comédia do não fazer rir, nem chorar, nem nada, nem coisa nenhuma,
Deu-se por demais,
Demais por se deu,
Se por deu demais,
Por se demais deu,
E foi, seguiu, simples, confuso, insinuativo,
Substantivo demais,
Adjetivos de menos,
mais ou menos,
advérbios seguidos de predicados, desalinhando coesão e coerência.
Assim, como foi, sendo isso pois, passado, atrás.
Espinho no pé,
corte na mão, boca azeda.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Oni saurê, aul axé

Ponho-me aos teus pés meu Pai.

Lança-me sobre mim Tua sombra benigna.

Faz de Tua limpeza a claridade de meus caminhos.

Não deixas que eu caia em desespero.

E que ninguém tire meu olhar do horizonte.

Que eu tenha respeito aos mais velhos e saiba com eles aprender o que se deve.

Dê-me saúde meu Pai e também paz no meu coração.

Que eu possa ser um condutor de Tua compaixão e luz.

Que eu só faça o bem.

Não permitas Pai, que eu caía nas armadilhas dos que me querem mal.

Esteja sempre como meu guia, meu escudo, minha proteção.

Agradeço-te e aos Teus pés me ponho.

Servo de Ti.

Esè Epa Bàbá

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sonata de fim de inverno

À amiga Johanna

Meu coração pulsando em noite enluarada.
Brisa marítima com som de vai e vem.
A bela mulher que aguça meus ouvidos,
brinca com cordas e arco
e faz meus pensamentos voarem.
Ela lá,
eu cá,
transmutado de beleza pura,
admitindo a simplicidade do belo
Olvido o triste.
A languidez da luz amarela que brota da janela,
junto aos acordes do violino,
aurora noturna de prazer.
Não sabes essa mulher que agora trouxe de volta lembranças ternas.
Não sabes o quão profunda sua música tocou meu ser.
Mas sabe que seu som paira o real,
como se fosse nuvem em meio ao deserto.
Ah! Bela mulher, de tão longe vieste,
para perto de mim tocar seu instrumento
e adentrar recordações em meu peito.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Nobre ofício do ser (Domingo escancarado)

Roda rodando descompensada, algodão doce azedando a boca, vento poeirento inundando os olhos de lágrimas, nebulosas formas de nuvens, um céu de meio dia a pino doendo à cabeça, mar sereno num vai e vem desgastante. Arrebenta o dedão do pé numa pedra solta na calçada, mais adiante pisa nas fezes de um cachorro de madame, suspira, respira fundo, o dia ainda não acabou, existe lutas a serem lutadas, perdidas ou quem sabe uma vitória antes de dormir. Tudo numa sincronia perfeita de desastre. Acreditava numa forma desigual de encontrar as coisas, de envolver o passado e preservar um futuro que eu queria que existisse que raiasse como sol de primavera, mas onde está tudo, em que casa abandonada se esconderam os meus sonhos sonhados? Passou o deságue, passou o jeito salgado de lágrimas, ainda está passando o gosto travado na boca da vodka da noite anterior. O que mais existe entre os átomos e o espaço que me separa do contexto enxuto do gostar de alguém e de realizar o gostar? Devaneios tolos em sons de guitarra, água gelada gelando a garganta e uma vontade enorme de gritar seu nome, de gritar algumas verdades que escondo de mim mesmo e eu constato que ando perdendo um tempo precioso, que nada mais importa, há não ser resolver essas indagas todas que me perturbam, enchem-me o saco. Tudo desconexo. Qual o sentido? Era tempo de flores, mas os jarros continuam vazios sobre a mesa, criado-mudo, aparador, geladeira, nada de cartões postais, nem menos cartas perdidas. Os jornais acumulados de uma semana, notícias depravadas, escândalos, horóscopos batizados. Nada de novo, tudo enormemente velho, saturado, feito o óleo dentro da panela que fritei batatas. Mas isso tudo é porque hoje é domingo e me bate ressaca moral, a solidão aflorando a falta de alguma coisa, de alguém que não lutei para ter perto de mim, desfecho de história sem graça, sem final feliz, sem príncipes e princesas, sem maças envenenadas, mas as bruxas existem dentro de meus pensamentos agourentos, e simplesmente desisto de pensar, basta uma aspirina, um chá calmante e adormecer sem ligar a TV. Pronto. È isso.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sinhá Flor

Feminina figura,
esplêndida dentro de si,
não cabe mais e floresce.
Pétala e mais pétalas, flor.
Branca em lua,
sol raiando em virtuosidade.
Todas as noites quando cansado de tentar de tocar,
ele faz surgir nova estrela no céu.
O vento leva de ti o perfume inebriante.
Quando de teus olhos brotam lágrimas,
o mesmo céu fica tempestuoso, desata os nós da chuva.
Teu jeito doce não esconde tua força, só aumenta.
Pecado não te dar olhos, bela florescência.
Maior ainda não dar ouvidos a tua voz aveludada.
Nobre mulher,
sublime perfeição,
aos teus pés me ponho
assim como faço em altar.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

Braseiro

Queimando, ardendo.
Redomas ateadas em fogo extremo.
Nada de círculos protegidos, apenas chamas.
Não há água alguma para apagar,
somente líquidos de acender.
Ardido, brilhante.
Eis que entre brasas e luz que queimam,
estende-se e se deixa lavar.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Linguagem - Pré/Pós - Do não caber em si

Ávida de tudo,
seguiu percorrendo a superfície do corpo.
Parou quando encontrou a outra que ansiava por ela.
Doidas, brigaram entre si,
vez dentro de uma,
vez dentro da outra boca.
Cansadas, mas não saciadas,
não entregues,
desciam ao pescoço,
adentravam ouvidos,
esqueciam a guerra peculiar por instantes,
depois retornavam num contorcionismo desenfreado.
Quando perceberam que buscavam o mesmo ápice,
ritmaram juntas,
quando do salivar aumentando,
entregaram-se,
deixando que os lábios continuassem o entendimento.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Do morro, da oração - Sentir

Espelhado céu
Espalhado mar
Entre preces e súplicas no alto do morro
Meus pensamentos dissolvo
resignado sigo
dissipando a agonia
estático fico,
o rio que se movimenta
e invade, arrebenta
do sopro verde que vem
filtros de mangue
filtros de sonho
perfeito estado tranquilo
leve, solto, ensimesmado - mesmo que o som não caia bem.
Concluindo nada,
vivendo tudo,
barcos açoitando as águas em carinho absoluto.
Entre os olhares de quem não vejo,
preso ao gosto salivado,
boca latejando desejo,
corpo pulsando entre suspiros e palpitações,
caio em delírio são,
conluio de sentimentos bons,
Voz de ressoar translúcido,
onde o olhar que penso brilha,
completo, tímido, feliz e um tanto amedrontado.
E o querer sair por aí grita,
onde o ficar por aqui reina,
onde o despertar junto manda.
Entre sons do bambu chove
Espalhado céu
Espelhado mar
Um rio de rezas
Vento com gosto salivado
Do outro lado mais querendo
E bocas dizendo amém.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

De volta, envolta, volta

Quis que nada mais me perturbasse que eu não me deixasse mais me levar por caminhos desconhecidos. E por mais que eu sempre tenha sonhado em ver o mundo, em ser o mundo e não mais me caber, eu quis, quis mesmo, que nada fugisse ao meu controle, que tudo fosse mais previsível, mais atado. Andava assim, satisfeito com o que vinha acontecendo, mas comecei a perceber que andava ávido de mudança, de sentimento, faltava-me inspiração, cabia algo novo, diferente. Percebi que eu não consigo me comportar nas coisas moldadas demais, que sentimento é solto, livre, como pássaro que míngua na gaiola eu estava sucumbindo ao tédio, ao sem gosto, sem cheiro. Caí em si, caí em mim, que aquele modo de vida não era meu, não era para ser eu, jamais. Porque eu conseguia ver além, porque quando as luzes se acendiam enquanto eu passava era um sinal, porque a lua estava mais bela que o normal, porque as palavras tropeçaram em minha boca, e isso não é comum. Vi coisas que estavam em minha frente, mas que eu fechava os olhos para não ver, porque tinha medo, receio, dívida, covardia até a tampa dos olhos. Libertei meu ser, soltei os bichos todos, soltei os fantasmas. E quanto sinto medo, mais me jogo, mais me lanço ao mar, mais corro para cima, porque não quero voltar à vida de letargia.

sábado, 28 de agosto de 2010

Senhor de mim

Uma paixão arrebatadora,

pode ser.

Um amor puro e crescente,

pode ser.

Quando a lua se debruça sobre o mar

e as luzes se acendem ao passar.

Quando liberdade se instaura junto ao gostar.

Não importa tanto o que pode ser,

Mas sim o quão a tranquilidade se faz presente

E já não quero viver sem este estado.

E sinto que tudo que eu queria me esperava,

Bastou somente eu confiar no tempo.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Boneca de pano, bola de meia

Infantil idade em que os consolos eram em forma de presentes e as brincadeiras de pega-pega, cabra-cega, “ciranda-cirandinha-vamos-todos-cirandar”, regadas ao som do “show-da-xuxa-angélica-mara-maravilha-eliana” tomavam boa parte do nosso tempo. Onde namoro não passava de pegar-na-mão e beijo-no-rosto. E no clube da Luluzinha se conversava sobre o mais novo aluno da classe ‘A’ e na reunião do Bolinha os garotos só falavam de futebol. Bons tempos em que as broncas de mamãe eram pelos pés no chão ou por comer brigadeiro demais.

Aniversário do amiguinho da casa ao lado tinha muito Ky-suky de tangerina e guaraná, bolo com recheio de ameixa, pipoca e lambada, em que os meninos competiam quem dançava mais e melhor. Os desenhos animados com seus heróis e heroínas, os filmes de animais e os quadrinhos da Tuma da Mônica eram o passa tempo predileto.

Grande inocência e felizes éramos, pois não dávamos importância a dinheiro, a não ser que fosse para comprar bolinhas de gude, figurinhas na banca ou sorvete no carrinho com sininho. E as guerras eram apenas de travesseiro. Bons tempos aqueles. A primeira paixão, normalmente por uma pessoa mais velha e cartinhas de amor.

Mas foi então que o tempo correu, na escola a preocupação passou a ser o vestibular, deixou de existir os 1º e 2º graus para dar lugar aos ensinos fundamental e médio. As novelas não são mais do tipo carrossel e sim malhação. O dinheiro é para comprar roupa, perfume e maquiagem ou para tomar aquela cervejinha no fim de semana, ou até mesmo no meio. As guerras são de balas de fuzis e estão nos nossos desenhos animados e gibis.

Muita coisa perdeu o sentido, a boneca de pano, o futebol com bola de meia, o namoro tem de ter sexo e o mais drástico – mamãe não luta tanto pelos vermes e sim pelas drogas em seus filhos. Como a infância se perdeu! Infância agora é só até os sete anos de idade, daí então tudo é muito liberal e o “clube-da-luluzinha-e-do-bolinha” é em mesa de bar e as conversas, bom, essas...

Bons os tempos da infância.

domingo, 8 de agosto de 2010

Amanhecendo

Ao meu pai, aos nossos pais, à todos os pais.

Escancarado. Um céu deslumbrantemente azul, vento soprando, árvores de verde vistoso, assim amanhecia o dia, e minhas pernas ficavam molhadas por conta do orvalho deixado pela brisa noturna. Tanto tempo sem amanhecer com o dia. Tanto tempo deixando de lado coisas simples que me dão tanto prazer. Mas hoje sendo exatamente hoje, e eu desde ontem, desde sempre com esse sentimento para ser posto para fora, precisava ficar acordado com a noite e ver o dia brotar cheio de brilho. Há um tempo que penso em escrever sobre esse sentimento, mas sempre adiava, talvez porque não me sentir maduro o suficiente ou mesmo pelo fato de ser covarde em assumi-lo. Mas chegado esse momento, percebo que existem as duas situações nesse contexto, tanto a imaturidade quanto a covardia de mostrar o que se sente. Pois bem, essa agonia toda é para dizer pai que eu te amo muito, que o senhor é importante demais para mim. Que demorei de reconhecer essa importância e que hoje, mais do que nunca, sei que sem você eu não estaria onde estou hoje, que sem o seu apoio eu jamais, jamais, dormiria tranquilo. Que quando nos falamos aos domingos, sinto-me mais cheio de energia para começar minha semana. Que reconheço todos os meus erros e peço perdão por minhas mentiras. Que sinto muito que a mãe tenha partido para eu entender e te dar tanto valor, por que na verdade, eu já dava todo esse valor, mas tinha medo de externar. Mas que com a saída de cena dela, tudo precisou ser mais claro, mais intenso. Peço desculpas se te fiz ficar preocupado, se te fiz chorar, mas saiba que jamais deixarei de te amar, que sempre serei quem eu sou, humano, verdadeiro, crente na amizade, correto por mais que já tenha errado, porque o senhor me deu todos os parâmetros para ser bom. Obrigado meu pai por tudo, por tudo mesmo. Por isso fiquei acordado com a noite e assim permaneci com o dia, para escrever isso tudo, que não é tudo, mas que de alguma forma, mostra tudo que sinto e que até então, não tinha te dito.

Grande abraço perfumado.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Mulher

Vem!
Ajeita.
Com jeito.
Sem meias palavras.
Invasão.
Mais mulher que ontem.
Mais humana que todos.
Mais que tudo.
Com devaneios.
Mais fogo que água.
Mais.
Mai.
Má.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Amanhecendo

O tempo passou desesperado.
O sino tocou embriagado.
A noite voou apressada.
O sonhos voltaram ensimesmados.
O dia raiou, os pássaros cantando, o vento soprando:
E eu, eu que outrora não percebia,
agora vejo-me vendo a alegria de viver.

sábado, 31 de julho de 2010

Menino Brilho

Para um certo alguém que no mundo está, longe fica, mas perto sempre está.

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Que mostras que não esconde?

Que escondes que não consegues esconder?

Esse teu sorriso não nega.

Dentro do olhar parece voar, perde-se e segue.

Pouco de ti fica quando não fica.

Muito de ti marca quando deixa.

Mais parece uma noite limpa,

Quando as estrelas dançam e tu sorris,

Porque te encantas fácil,

Porque é bonito mesmo de se ver.

Porque podes ser lua deslumbrantemente cheia,

Podes ser sol, podes ser o que quiser,

Mas só quando tu queres ser.

Rodando, girando, crescendo.

O menino brilho paira onde tudo está,

Tranquilo, fácil, forte, preciso,

Mesmo quando chora parece não perder o sorriso.

Menino homem, encantador de ventos e do tempo,

Seguindo.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Da seca. Do molhar

Secou. Aquela última gota de saliva que restava em minha boca secou. Existe a lembrança de como aconteceu o beijo, o que antecedeu, o que veio depois, tudo está nítido. Mas a saliva secou. Quero-a novamente sobre meus lábios, dentro de minha boca, molhando meu corpo. Quero você ao meu lado, quero ter seu gosto impregnado na minha carne, na minha mente. Quero o sexo, o amor, a confusão de mãos, o entrelaçar de pernas, o riso fácil, o consentimento, a permissão, o gozo. Quero o acordar junto, o café da manhã, o almoço, o jantar, vinho tinto, a transa no tapete da sala, o contato, o ensaboar e roçar dos corpos no box, o lençol pra dois. Quero você.

domingo, 25 de julho de 2010

Sobrevoando

Passada a língua no céu da boca,
respiração fortemente alterada,
suor correndo, escorrendo,
poros dilatados,
olhos entreabertos,
mãos bulinadoras
e os pensamentos voam
percorrem cada pedaço do céu, do corpo, do mel.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Uma certa guerra

Um gosto diferente na boca. Pele escurecida pela fuligem. Aquele fogo, o incêndio interno, a força grotesca que nos leva ao estado primitivo. Chegou a mim como algo simples, mas que crescia à medida que o tempo ia passando. Quando cheguei ao trabalho era tudo um caos e o filho da puta de meu chefe já aos berros. Meu estômago doía e eu precisava me libertar de tudo. O escritório da obra ficava em meio há pilhas de madeira. Não seria difícil atear fogo de forma que queimasse rápido. O dia estava seco, o sol a pino. O maldito chefe nunca saía para almoçar, preferia comer aqueles sanduíches gordurosos, sentado a frente do computador. Vários pontos de fogo ao redor do escritório improvisado e então estava feita minha fogueira, eu começava a queimar meu carrasco. Quanto mais as chamas se alastravam, mais sentia prazer, mais algo extraordinário acontecia dentro de mim. Ele não tinha como sair, eu ouvia seus berros e esses soavam como música para meus ouvidos. As pessoas começaram a correr para tentar ajudar, mas eu só olhava, apreciava a cena. Muita fumaça e cinzas da madeira queimando. O gosto que eu sentia na boca é indescritível. Paz. É isso que sinto agora que tudo se acabou e só restam brasas.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

liberto

Quente
Ardendo pulsando
visceral
apaixonado subindo
riste
suor
saliva
mãos
dentro
primoroso
primitivo levantando
inflamado
gingando solto
preso

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Embalde

O céu se desmanchando sobre tudo, o tempo fechado, a porta fechada. Muita, mas muita chuva sobre o corso do vento que leva correndo. E leva também os pensamentos ao fim de uma estrada engarrafada. A casa no alto do morro toda iluminada, mas parece estar embaçada do ponto em que a vejo. Muita luz vermelha dos automóveis e ainda têm todas elas dentro de mim sinalizando cuidado, perigo. Penso em sair andando, molhando-me todo e escondendo as malditas lágrimas que teimo em segurar. Penso que não sou tão forte como o bicho mais feroz, porque feroz mesmo é a paixão que me arrepia o corpo e parece frio, mas não é, é desejo reprimido, é uma ânsia louca de beijar. Nada de soluções vendidas, dadas, nenhum conselho parece certo e a única coisa óbvia é pensar em você. Por acaso existem flores que brotam no inverno, não, não, não é por acaso. Mexo dentro as coisas em mim caindo, enxurrada, nada mais que percussão tocando de dentro para fora e a vontade de fumar, mas a chuva está debruçada lá fora e apagaria o cigarro. Tudo sem nexo, eu, o trânsito automotivo lunar planetário, o gostar tão dado e não retribuído. Ah! Lembrei que esqueci roupas no varal, nada anda tudo parado e eu tão longe, tão perto e essa distância massacra, há poucos bueiros para escorrer tanta água. Será que o tempo abrirá? Amargosa saudade, adocicada chuvarada. Para onde escoar? Voltei porque me lembrei de certo sorriso. Tanta sede diante de tanto líquido e aquela me disse: Ei, agora entendo o peixe! É igual a você pisciano, risos... que nessa imensidão liquida tem o mundo para se embriagar.”. Mas não quero isso, quero aquilo, aquele amor, a perpetuação do gostar enquanto resistir. Mas ainda estou preso há longa fila de carros, os faróis acesos, as luzes vermelhas ligadas enfurecidas, eu louco, centrado, calado, querendo sair por aí e me perder e me achar

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Solto

Simples
Fato
Adormecido
Vivo
Constante
Feliz
Esperando
Tempo
Muito
Espaço
Desencontro
Busca
Juntar
Querer
Sempre
Ir
Teu
Cheiro
Ficou
Marcou
Espalho
Falando
Calando
Quero
Beijo
Abraço
Junto
Simples
Fato
Adormecido
Desejo

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Passagens, caminhos e o seguir dos trilhos.

Restou a esperança. Hoje percebi que existe sim uma saída, um feixe de luz que possibilita um final diferente. A claridade que tanto me incomodava enquanto despertava pelas manhãs, hoje se mostra calma, indicando o desvendar de alguns pensamentos que me atormentavam. Vela acesa para as orações matutinas e o cheiro de incenso tomando conta do ar. Poderia querer tanta coisa, mas peço paz – não somente a paz no mundo, porque esse pedido também é inevitável – mas o meu desejo maior é a paz dentro de meu coração, que cansado de correr contra o tempo, enche-se de esperanças e deposita neste mesmo tempo a confiança de ter o que quer. Estou exaltado pela gestação de uma vida nova, que não se condena, que não se deixa passar oportunidades – a minha vida. Inteira, daqui por diante. Sinto que tenho uma resma de papel virgem e um mundo de idéias, pensamentos, para escrever um novo rumo de tudo, mas de tudo em que estou envolvido. Existe ordem, inicio, meio e fim. E chego aqui não como uma tempestade de verão que logo cessa, mas como uma terra fértil entre rios, sem guerras. Quero semear o meu fluido pensamento, conceber tudo que for necessário e que é muito. E isso começou ao meu adormecer e hoje ao despertar para a vida, raiava um sol, mas havia nuvens de chuva sobre o mar e logo se formou um arco-íris estampado, mostrando caminhos. Poderia continuar a falar destas coisas, mas até onde elas me cabem e tudo cabe, chega o momento de seguir o curso das águas, de findar o falatório, porque é fato que preciso de atos. Anyway, como diria Caio F.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

Teu



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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Faites comme chez vous! Notas de passagem. Das terras do rio.


Está inflamado.
Aquele órgão acelerado,
pulsando febre por todo corpo.
Tudo uma questão de estado,
Tudo uma questão de tempo,
Tudo uma questão de amor.
Sorvendo, fervendo, queimando.

Estive nas terras do rio. E eu ria tanto por estar lá. Voltei lá para me achar, para encontrar inspiração de vida, de palavras, de força maior que me mova para onde quero chegar. Divino e infernal. No papel com marca d'água free, escrevi o que transcorria dentro de mim, de meu sangue. Mas não ousei colocar tudo, apenas parte de um todo que corre solto, feito rio, feito vento, feito. E eu caibo dentro do improvável, sou o amor, sou a flor e o espinho também. Experiências que me transmutam, que me fazem fazer dos outros espelhos de melhoria íntima, sem ser abusivo, corrosivo, mas fazendo bem o bem. É fato o ato de se dar, de permitir que como os porcos espinhos no inverno ferrenho a gente se encoste e doe calor, doe amor, doe tudo que for bom. Voltei as terras do rio porque precisava mergulhar no lago, àquele que vive dentro de mim, mas que em certos lugares se torna mais límpido, de águas mais leves. Voltei porque precisava sair do eixo normal demais, do estado cheio de brumas e espumas salgadas. Fui. Voltei. Aqui estou, em casa, com asas, voando baixo, abaixo. Faites comme chez vous!

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Bucólico






Bem que o momento poderia ter durado mais um tanto. Enquanto ouvia o vento balançar as árvores e os passarinhos cantarem em algazarra o pensamento voava em direção ao sol que não se via. Era a sensação de que me tiraram do chão, que meus pés não mais podiam tocar a terra, mas não existia medo de cair. Faz tempo que não me sentia assim leve pluma solta ao veto rodopiando feliz. Tudo bem que existe um medo quase absoluto, mas é o mesmo medo que me faz ir além. Bem que poderia ter durando mais um tanto. Que eu não me perdesse tanto, que não podasse tanto os sentimentos. Que eu tivesse colocado pra fora tudo o que sentia. Até que permiti que escorresse algo, mas creio que ainda não foi suficiente para fazer entender. Entendo. Não entendo. Duas faces de uma mesma moeda que devora tudo que passa dentro de minha mente. Onde tudo isso vai parar, o que sei, e que é muito pouco, é que não vai passar como chuva fina de inverno, nem vai secar depois que o sol abrir. Porque de alguma forma a certeza que tenho é que é amor. E roça plantada esperando colheita. É canto triste de pássaro solto, mas solitário.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Florais psicodélicos.

O orvalho sal que me devora.

Quando em brisa me dissolvo.

Lágrimas corridas, saltitantes.

O não que assola.

O não ver futuro.

O marasmo presente.

À deriva, onde mais se quer afundar.

Crescente. Expandindo pungente. Aquele medo original. Não querendo perder-se, mas indo de encontro ao caos interior. Porquês natos. Unindo-se ao gosto puro, desejo, fato, dilatando-se em solvência, em se solver, caindo pelos lados, explodindo pelos ares, ardência, exaurindo palavras, pele em arrepio, vento louco, tudo pouco, febre vespertina, não, não, não, delírio, espasmos, o ver-se de perto, o correr soberbo, o lindo, o leito, o pleito, peito, depois de boca, beijos, barriga, novos arrepios, o queimar, arfar, o salivar, o desatino, o prazer imediato duradouro instantâneo. O amor insano, a paixão avassaladora, o ermo, a tempestade, as flores vertiginosas crescentes. Entre azulejos existe um cimento leve, forte suficiente em prender, firmar. Os lapsos de memória, a nostalgia que me revela muito mais que florais, que em líquido leve fluido tornam-se cura, tomam-se aos braços e correm disparados ao encontro de um sol noturno, divagante. Penso que pode ser diferente, que algo misterioso acontecerá que ponha outros pensamentos por aí, que paire outros cheiros, outros ventos que não esses que só levam, distanciam. Ofegante depois da caminhada pardo sonho parado nem imaginava que ao meu lado andava essa realização e que eu faca cega não via, não sentia, não me permitia. Sem tempo hábil, cheio de vícios, um trono opaco em que nada de reis e rainhas sentam-se, somente bobos chorando perdas perdidas sem lutas. Canto escuro com cortinas salmão e jarros de plantas verdes artificiais. E do vidro sujo se vê um céu calmo, capaz de ensurdecer qualquer um que se encontre em pleno estado estágio que nem esse. Vai-se então quadrado floral flor fina ramificada crescente subindo pelo teto e emaranhando tudo. Vai-se enfim.

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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