quarta-feira, 31 de março de 2010

Ressaca

Acordei com o rádio-despetador tocando uma música da Nina Simone – Don’t smoke in Bed. Demorei a levantar, não quis desligar o rádio. Não costumo acordar as cinco da madrugada, por algum erro ébrio coloquei para despertar nesta tão preciosa hora de sono. Acabei não achando ruim, há muito não via o sol nascer e então decidi passar um café extra-forte e ver pela janela um dia clareando sobre uma noite em que me embriaguei e fumei demais. Aquela busca incessante por amor não deixou de existir, jamais, nunca mesmo. E lá fui, entre poemas pensados-em-devaneios-desvios-de-consciência. Entre Bivar, Pessoa, Lya Luft, Noel Rosa, Lamartine Babo e outros tantos, que juntos, fizeram de minha cabeça uma parafernália de recitais e sambas. Mas eu estava hoje, dia acordando junto com meu corpo, porque a cabeça já estava a mil por hora, incensos de madeira do oriente e patcholi, e ao mesmo tempo de vendaval era uma pachorra, um lago esquecido no meio de uma estória água com açúcar. Goles compassados numa xícara de porcelana barata, um café morno, cigarro entre os dedos indicador e médio, exaustivamente levando o cigarro até a boca, fumaça para dentro, depois para fora, numa tentativa incansável de por para fora agonias, certo pensamentos e buscar dentro da brasa parte da memória esquecida do dia anterior, porque álcool faz isso, traz esquecimento, sofrimento, letargia. No rádio agora toca uma música de João Bosco: “... O amor quando acontece a gente esquece Logo que sofreu um dia, esquece sim, Quem mandou chegar tão perto...”, mas minha vida está na parte que diz: “...Tatuado que ainda doía, Pulsava só a solidão...” e não há amor real, só sentimentos inventados por mim, na ânsia de escrever, de manter-se vivo. Cigarro queimando os dedos, café gelado e volto à cama para quem sabe dormindo esquecer a noite de ontem e sonhar, sonhar, sonhar.

domingo, 28 de março de 2010

Jogo amargo ou Cadarços desamarrados em dia de chuva – 2

“... há sonhos que devem ser ressonhados, projetos que não podem ser esquecidos [...] Reses, enxurradas, tenho medo do outono das esquinas...”

Hilda Hilst – Do livro ESTAR SENDO. TER SIDO.

Cigarro amassado entre os dedos, uma vontade imensa de fumar, mas não há um transeunte fumando por essas bandas. De que cor é sorte? Pergunto-me indagando feito bêbado cornudo, moribundo, falido e fétido estragado pela quantidade de vida vivida e pelas bebidas todas que ousou por para dentro. Sorte em azar, isso sei que tenho a ponto de tudo me acontecer de ruim, de podre, de nojento. Perdi não só o dinheiro, as economias, o trocado do pão, perdi o carro, o emprego, a casa, a esposa que se foi com o filho da puta do filho do Zezin do armazém. Perdi o respeito de meus filhos, que se foram também, perdi as roupas e me restaram esses farrapos achados num lixão. Não tenho nada há não ser a sorte de ainda estar vivo e de me acontecer coisas piores. Sem um mísero real para jogar no bicho e mudar de vida, jogando no galo, claro, porque sonho com esse bendito galo cantando há dois dias e sempre deu ele na cabeça, na minha, no primeiro prêmio, mas não tenho como apostar, não tenho, perco a chance de ter galo cozido com batatas, há quantos dias não almoço, não janto, não tenho um café da manhã digno e nem mesmo não digno, porque afinal o que mereço?

terça-feira, 23 de março de 2010

Jogo amargo ou Cadarços desamarrados em dia de chuva - 1

Perdi o jogo. Dia chuvoso, céu chumbo, um vento forte, trovões e raios, tudo conspirando contra. Perdi. Não tem mais rei algum sobre o tabuleiro, foram comidos todos os peões, cavalos, torres, bispos e rainhas. È, justo, no plural mesmo, porque eu jogava sozinho. Consegui perder para mim mesmo e ao mesmo tempo em que um tombava ou outro tinha uma espada enfiada ao peito. Também não restou uma trinca de ases, não tenho coringas na manga, muito menos nas mãos. Acabou. Perda total.

domingo, 21 de março de 2010

Sobre dores, não amores e tempestades

Teu sorriso encantador faz descompasso nos corações, revela-te, e vai-te, com olhos caídos e sensuais... Nobre homem. Não o quero ao meu lado, afinal, foi você quem não aprovou o meu corte de cabelo, que disse que sou brega, foi você quem xingou a minha mãe, quem disse jamais ter consigo ter prazer de verdade ao meu lado, que só gozava porque pensava em outras pessoas, que quando me beijava imaginava lugares extraordinários. Foi você quem disse que eu não presto e que não sei cozinhar, que não converso, que quando abro a boca para falar não sai nada de aproveitável. Vai nobre homem, com seu jeito manso, que abarca o mundo, que conquista as pessoas, inclusive todos os meus amigos, vai... Segue rasteiro tal qual uma cobra. Não o quero mais em minha casa suja, não quero mais que beije essa boca vadia, que nunca tem o que falar, não o quero ao lado dessa filha de uma puta, esta que varou noite lhe esperando, com a comida sobre o fogão, essa que não te faz sentir desejo, não o quero mais aqui, sabe por quê? Porque apesar de eu não ser flor que se cheire, por longos treze, eu disse treze anos, você esteve ao meu lado, que por mais que existissem outras cadelas nas ruas, você sempre voltava com o rabo no meio das pernas, encostava-se a mim na cama, mexendo comigo, rijo, indecente, a fim de me acordar e me comer. Que comia toda a comida do prato, faltando lambê-lo. Sem falar que você me procurava na faculdade por eu ser a mais esperta, a mais desinibida, a mais estudiosa, que te ajudava nos trabalhos ou então você teria sido reprovado em várias matérias, sempre preparei teus discursos que você enchia a boca para falar na empresa. Não te quero, porque sou eu quem ri por último, porque eu quem sempre achou teu pau pequeno, que não suportava teu mau hálito de bebida e cigarro, que sempre te achou um burro, cuja única grande assertividade foi ter se aliado a mim, mas nunca deixei de te amar, de sentir prazer, porque eu te deixei me escolher, fui eu quem te fez esse homem, que você tanto ostenta. Eu. Então vai, se sai de perto de mim.

terça-feira, 16 de março de 2010

Assassinos S/A Vol. 2


Meus caros,


é com imenso prazer que lhes trago o release, convite e resenha do Assassinos S/A Vol. 2 que será lançado pela Editora Multifoco, com organização do Frodo Oliveira e da Jana Lauxen. Não é apenas uma propaganda de um livro de contos policiais, mas "O LIVRO" que além de ser muito bem organizado, conter maravilhosos autores, euzinho aqui estou contido. hahahahahahaha. Isso mesmo, Plínio Gomes ( O Zingador) está dentro destas páginas. Mas não pára por aí, o livro tem também ilustrações - Isso é muito, isso é PÂNICO, TERROR E AFLIÇÃO. Pois bem, vejam, leiam e já podem encomendar seus exemplares. Abraço perfumado.


Assassinos S/A Vol. II


A Coletânea


Por Manuela Azevedo.


Admito: quando a escritora Jana Lauxen me pediu para ler ‘com carinho’ e ‘dar minha opinião sincera’ sobre os originais do segundo volume da coletânea de contos policiais brasileiros Assassinos S/A, que ela organiza ao lado do escritor Frodo Oliveira em parceria com a Editora Multifoco, pensei ‘ih, lá vem mais uma coletânea de ficção policial’. Mesmo assim não recusei, mais por educação do que, de fato, por curiosidade.


E agora, depois de ter lido (ou melhor, devorado ferozmente) os 20 contos, de 20 diferentes escritores brasileiros, posso afirmar com cem por cento de convicção: não se trata de mais uma coletânea de ficção policial.


Trata-se, sim, d’A Coletânea de ficção policial.


Apesar do sugestivo nome, as histórias que compõem esta coleção não são, simplesmente, sobre assassinatos, assassinos, vítimas e investigadores. Além da superficialidade meramente chocante que muitos textos do gênero costumam proporcionar, os assassinos de Jana Lauxen e Frodo Oliveira imergem intensamente na sagacidade do crime, em seus motivos (ou na falta deles) e na mente doentia e arguciosa de seus matadores.


A violência não é gratuita; é elaborada, fidedigna, eqüitativa, quase sincera.


Não encontraremos no segundo volume desta coletânea detetives usando sobretudos e lupas, e nem artimanhas literárias que buscam somente e tão somente assombrar o leitor. Até porque, como sabemos, chocar é fácil, basta apelar. Mas Jana, Frodo e seus autores não apelam. Eles entram, sem bater na porta nem pedir licença, na mente de um matador, e sem procurar justificar seus crimes e atrocidades, apenas nos apresentam o assassino por dentro – por dentro, inclusive, de nós mesmos, nobres cidadãos.


Telefonei para Jana e dei minha sentença:


- É fenomenal!


E ela me respondeu:


- Tem mais!


Ela falava das ilustrações.


Assassinos S/A Vol. II não é apenas A Coletânea de contos de ficção policial. É também A Coletânea de contos de ficção policial ilustrada. E digo mais: divinamente ilustrada.


Jana escalou uma baita seleção de ilustradores, como Mario Cau, responsável pela sensacional capa da edição, Jota Fox, M. Watcher, Rodrigo Molina, Giovana Milanezi e Daniel Faccio.


Feito. O time estava completo.


Por isso, caros leitores, se posso oferecer um singelo porém sincero conselho, digo-lhes: dêem uma chance para esta que é A Coletânea de contos policiais brasileiros ilustrada. Permitam que Jana Lauxen, Frodo Oliveira e sua trupe entrem em suas cabeças também, e os levem a conhecer a sociedade secreta de seus assassinos, e de seus crimes (im)perfeitos, acidentais, elaborados, premeditados, ocasionais.


Contudo não se assustem com o que encontrarão ali, dentro do livro.


Conforme descreveu a própria Jana na apresentação da edição, estamos todos ‘ingenuamente protegidos pelas páginas impressas que separam a ficção da realidade’.


Além do que, como disse Hassan Sabbah, fundador da Ordem dos Assassinos, seita ismaelita que, entre o final do século XI e a metade do XIII, trouxe terror e pânico à região do Oriente Médio: nada é verdade.


Logo, tudo é permitido.



sábado, 6 de março de 2010

Pano de fundo

Fogos de artifício, cama com lençóis vermelhos, imagem no espelho, vela queimando e derretendo sobre a penteadeira. Depois era sonho, estava fora de tudo que estava fazendo, imagem refletida de cabeça para baixo na piscina, querem encontrar explicações em tudo, dissecar, esmiuçar um tudo, que no vão se ergue e caí, caí profundo na piscina que é ilusão, que evapora, esfumaça. Há pouco os dois sentados à beira da cama, tiraram os sapatos, depois as camisas, as calças, suas roupas de baixo e por último as meias, só então houve o beijo, e depois o sexo, o lamber, o gemer, mordiscar, e tudo se transformou numa grande casa de espelhos, vários dois que é um, iguais, diferentes, mas aqueles dois que se esfregam, se consomem, penetram-se, o mundo perfeito, o mundo acabando, quero poder escolher, poder dizer, bem como não ter que escolher e vejo tudo que faço, de fora, observador de uma cena, aquela em que me encontro, entre fogos estourando lá fora, nos vermelhos lençóis que realçam a brancura do meu corpo, desperto de um sonho vazio, sem explicações, sem verdades ou mentiras, volto para o gozo, para o prazer, por não dormia, voltei. Era saudade que me tirava daqui, saudade de depois tudo terminar, de ser momento passageiro, de não mais ter em meus braços o teu corpo, de perder o teu gosto, o teu cheiro. Mas voltei, porque precisava continuar, chegar ao ápice, ao cume, marcar-te com minha invasão, mesmo cego em meio há um tiroteio, guerra de nervos, de orgulho, eu bobo, indignado por estar carente de ti mesmo antes de se afastar. A vela acabando, o tempo esvaindo, será que dormirás comigo ou irás embora como rio, como vento? Quero dizer alguma coisa, você geme, eu permaneço calado, tem de ser agora, preciso dizer, não sai, fico sem voz, meu coração acelerando, acelerado, você gemendo, olhos fechados, eu te olhando, beijo, cheiro, preciso dizer, mas não convencional, não do jeito que todos dizem, porque sinto saudade, porque não quero que acabe aqui, agora, com o gozo, você abre os olhos, olhos nos olhos, ou é agora ou não sei se haverá outra chance - dorme comigo, não vai embora, gosto de estar contigo, preciso de você por mais tempo, na verdade, o que eu quero dizer, quero dizer, quero te dizer, que não paro de pensar, de... é difícil para mim falar, porque não sou de falar, você sabe disso, pois bem, é que acho que é paixão, é amor, quero você mais tempo do meu lado. É isso, é isso que eu precisava te dizer. Falei - E agora? Permanece calado, esse olhar, o que quer me dizer? Meu Deus, porque é tão difícil, nunca passei por isso. Agora me beija, um abraço forte, será que quer dizer que vai ficar, que sente algo próximo? Silêncio aqui dentro e os fogos ainda estouram, é fim de ano, é espumante, é tempo de renovação. E o que faço agora, o que penso? É mais profundo, é mais rápido, é mais esplêndido, eu ouvi um eu te amo. Eu ouvi um eu te amo? Devo estar em devaneios novamente, repete, repete, quero ouvir, silêncio - também quero estar ao seu lado, mais, amo sua companhia, mas chega de ser escondido, furtivo, vamos mas além, vamos. Eu te amo - Eu ouvi, foi isso mesmo, mais fogos, desta vez dentro de mim, é êxtase. É realidade.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Fim de tarde suave

Sonhos, jardins, altar. Dança comigo, vamos bailar noite a dentro, só nós dois, sem pensar em nada que não seja nós dois. Quero tua mão sobre minha mão, nossos passos ritmados e corações descompassados. Vamos, vamos.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Prato sujo e outras interpretações

Partido. Um pimentão partido ao meio. O tempo partiu há horas. O sino da igrejinha me avisou. Grace Jones tocando freneticamente, o vinho tinto seco já travando a garganta, afinal, quatro garrafas para uma só pessoa é de travar, de amargar. Não era para ser assim, mas está sendo. Sobre a mesa um prato limpo, espaço preparado por mim, ajeitado, organizado e agora sublimado. Mas existe outro prato, embora esteja sujo, usado, com duas metades de um pimentão bem recheado. INGREDIENTES JÁ COM O MODO DE PREPARO: Convite para quantas pessoas, se quiser, basta aumentar a receita na proporção do aumento dos convites (Neste caso, porção para duas pessoas comerem bem); Escolher 04 pimentões grandes, de cores variadas (Verde, amarelo, laranja, vermelho) a fim de enfeitar a receita. Extrair o miolo e as sementes através do lado em que tem o talo e deixar separado. Numa frigideira dourar 03 cebolas roxas no azeite extra virgem, depois acrescentar 06 dentes de alho amassados. Enquanto doura, acrescentar 02 colheres de sopa de folhas de alecrim seco. Reduzir o fofo ao mínimo. Acrescer 01 xícara de leite morno, 01 berinjela grande cortada em pequenos cubos e uma couve-flor também em pedaços pequenos, ambas pré-cozidas anteriormente no vapor. Por 500g de queijo coalho fatiado, sal e pimenta-do-reino a gosto. Quando o queijo estiver bem derretido está pronta a receita para rechear os pimentões. Sirva com Arroz branco ou arroz com ervas finas, acompanhado de peixe ou ave. Muito bem acompanhado com vinho tinto seco. O maldito tinto que agora trava a garganta e deixa meus dentes e língua tingidos. Não trisquei no pimentão que aprontei no prato, houve frustração, perdi a fome, perdi o tato há muito tempo, minhas papilas gustativas estão embriagadas, manchadas, quero falar, quero xingar, que por para fora. Não houve explicação, não há explicação, nenhum telefonema, nem mensagem, apenas silêncio. E o prato limpo está cheio de hipocrisia, de desleixo, do pouco se importar com o outro.

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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