Os dias passam dentro do
mecanicismo-nosso-de-cada-dia e tudo quer ser urgente, mas essa urgência toda é
rasa, não ultrapassa a camada mais fina da pele. Acordar, ir academia, ao trabalho, conversas rápidas, mensagens em
vez de ligações, e-mails, impessoalidade. Onde podemos mergulhar de fato neste
rio? Ou ainda temos muito que andar com água pelos joelhos até uma profundidade
que nos mereça? Quero romance. Sim, quero cores, estampas, quero beijos
roubados, dados, a utilidade do sim, sons de tudo que marca. Sabe aquela
besteira toda de recadinhos na geladeira, no espelho, nas portas? Quero todas.
Porque sentimento é para sentir, viver, saborear. Quero sensibilidade à flor da
pele sem medo. Estou dando a cara a tapa e mesmo que doa, quero dar a outra
face ao amor também. Já passamos de tudo e com isso deixamos passar o carinho,
o afeto, o que de fato nos faz diferente de tudo. Quero mar, mergulho de
cabeça, pôr do sol com todas as suas cores, o nosso papo untados em suor, o
beijo na testa de coragem, o olhar de fora, o ver de dentro, o parque, o circo,
o teatro, cinema e pipoca grande pra dois. Romance de viagem, de verão, de
primavera e todas as estações, a sopa no dia frio e as letrinhas todas que vem
com elas traduzindo cuidado. Cuidado. Que palavra importante. Estar em sintonia
com o outro e consigo, fazer o bem, não medir esforços para agradar. Para se
ter romance tem de ir mais além do rosto bonito, da conversa-entrevista, do
corpo em forma, de onde moramos e o que fazemos para ganhar a vida, porque em
romance tudo pode acontecer, o mundo muda, pessoas também, mudamos de lugar, de
trabalho, transferimos as energias para o que nos faz bem, alteramos os hábitos,
corremos na orla, nadamos, porque romance traz outras necessidades,
prioridades, é vital. Vamos ao contento da pele, da língua, do ouvir sonoro, da
música tema, das risadas soltas. Quero a tela em branco para usar todas as
formas de arte que dois, juntos, podem imprimir sobre. Quero o romance da ponta
dos dedos sobre minha pele, da minha mão sobre seu rosto, do braço em torno ao
pescoço, do banho de gato, do esfregar as costas. Quero o romance das
diferenças, do sal, da saudade para querer estar juntos, do crescer e
construir. E pensar no futuro e sentir orgulho de tudo que podemos viver, a
superação das crises, porque nosso alicerce é bem mais profundo. E quando parecer
que não há mais novidade alguma, que possamos nos reinventar em romance, outras
formas, outros tantos quereres, novos campos de descoberta, porque somos
enormes quando junto, unidos e parece que o tempo será pouco para tudo que
ainda queremos ser. Venho desnudando minha alma, quebrando barreiras e soltando
amarras, a cada dia mais me sinto livre para ser, usar, viver, gozar em, no,
com romance. Então, vamos? Porque prontos nunca estaremos, mas podemos estar em
sintonia, com vontade, querendo de fato e o romance nos espera. Vamos? Abrir as
janelas, apurar as vistas, refinar a audição, sentir outros sabores, descobrir
outros mundos além dos nossos, vamos além das aparências, das esquinas e
reticencias.
sexta-feira, 15 de maio de 2015
quinta-feira, 14 de maio de 2015
Arme-desarme ou Pedacinhos de doce sortilégio
+ Em um dia chuvoso, enquanto
esperava debaixo de uma árvore não sei bem o que ou quem, alguém veio em minha
direção e me chamou a atenção, dizendo que eu poderia ficar resfriado, então
estendeu o guarda-chuva, para que dividíssemos. Não me conhecia, não sabia quem
eu era, o que tinha feito, porque estava ali, apenas quis me proteger da chuva. ++ Você pensa demais. É perigoso.
Evito ao máximo fazer isso. +++ Catou as cinzas de cigarro
com a ponta do dedo molhada de saliva e depois raspou na borda do cinzeiro. ++++ Hoje tudo parecia querer me
tirar do prumo. Mas cantei, sorri e não levei a sério os percalços do caminho. +++++ Será que podemos buscar a
memória do que não vivemos? Ou é mais fácil ignorarmos tudo que poderemos viver
amanhã?
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Evidências ou Peixe fora d’água
#Sobre todas os telhados das
casas vizinhas e das outras todas desta cidade está escorrendo, sendo derramado
em vértice-poema o choro da noite. Começou calmo, meio que sendo segurado, sei
lá. Mas bastou o olhar mais direto da lua e tudo transbordou.
#Tenho a roupa limpa, acabara de
tomar banho, passei aquela seiva que ganhei de aniversário, se não me engano,
foi quando completei vinte e seis anos.
#O espelho está embaçado. Não.
Todos os espelhos estão embaçados. Não consigo definir quem sou quando me olho.
Muito mais que uma imagem invertida de mim. É como se estivesse derretendo do
outro lado.
#Tapo a boca com a mão esquerda
perante o espanto. Não vi nada demais, na verdade nada vi. É que o pensamento
que me tomou foi tão inconsequente. Porque os pensamentos são assim, nos
espantam e as vezes nos falas calar?
#Desnudado diante da guitarra
espanhola, dancei livre, todos estavam ali, todos ouviam, mas só eu estava em
pele, dançando. Alguém pareceu me notar, o olhar até tinha um ‘q’ de apreensão,
como se quisesse me alertar. Mas eu sabia bem de mim.
terça-feira, 31 de março de 2015
Eu água
Para se ler ouvindo
Thalita Pertuzzatti ''Quando Fui Chuva'''
Escorri
para dentro, saindo, pra fora, por inteiro, esmiuçando os espaços, lugares,
corpo, pele, cabeça, pensamentos, o tempo, tudo, mas tudo quanto pude ser
liquido para passar, ficar e seguir. Se de fato meu estilo é de seguir como
pede toda água, cheguei onde tinha de chegar, lagos, rios, mares, oceanos,
chuva, saliva, suor. Lembro-me pela imagem d’água de cair, solto, quando em
cascatas sobre tua pele vivi a entrega da liberdade, do bater de frente e
depois o contorno, e perceber que juntos iriamos mais longe. Todo gosto que
escondi e então em mais perfeita dança consegui abrir as comportas e me deixar
correr por planícies, inundando tudo, rompendo barreiras, barragens, mostrando
como sou água. Na memória de tudo que existe, água. Do sangue que irriga, dos
olhos que teimam em derramar sal, do beijo que mela, do gozo que faz suar e
lambuzar a pele, do juntar, do lapidar, do viver, do liquido que me criou, do
leite que me alimentou, em tudo quando sou: água. E se agora pareço sumir de
tuas mãos ou quem sabe me deixas ser livre, não me perdes, apenas me ganha de tarde
numa xícara de café ou de chá. Sinto me tocar quando no banho te lavo. Aqueço
na taça de vinho e sorvemo-nos nas noites frias. Sempre, em tudo, no ar, no
lavar as mãos ou o rosto, sou eu água.
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