quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Do gosto perdido que ficou na boca

Deito-me, respiro buscando forças, perco-me observando grãos de poeira suspensos no ar. Vou indo com os pensamentos, a casa na qual cresci, a outra que vivi momentos tão tristes, a mesma luz, a mesma poeira sobrevoando e em todas as outras casas a mesma vontade de mudar, de partir, de não permanecer em lugar nenhum, sair por acostamentos, estradas, romper barreiras e barragens. Daí então aquela chuva repentina no verão quente e eu cantando, eu correndo, eu pulando nas poças, eu molhado, eu chorando, eu rindo. Aquela voz me chamando, ela que não queria - que eu não fosse que não molhasse as roupas, o corpo, a casa quando eu voltasse. E se eu não voltasse? E se eu me perdesse como grão de poeira quando chove ou quando anoitece? E se eu fosse mais corajoso do que ela? E se... Ela não me chama mais, mas ainda tenho a máquina de escrever, cor de sangue, como a cozinha que ela tinha. E criei coragem e saí, não voltei mais, não estive mais presente nas festas, nas casas. Também tenho todos os discos que foram dela, aprendi a tocar piano, a falar outros idiomas. Hoje quando deito perdido é porque deixei tantas partes de mim pelas esquinas, porque deixei meus olhos na França, minha língua na Austrália, minhas mãos na Jamaica, meus pulmões em Cuba, meus ouvidos absorvem o tango em Buenos Aires, meus pés no Rio de Janeiro buscam a boemia freneticamente, meu coração bate compulsivo na Bahia. E percebo ainda deitado que não estou perdido, pois me encontrei em cada contato de pele, de mãos, de cheiro, de boca, que me partindo em milhares de pedaços espessos e coesos era à única forma de me sentir inteiro.

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Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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