sexta-feira, 2 de setembro de 2016


enGRAVidaDO

 

Espelhos não mostram quem sou.

Essa imagem invertida não me representa.

 Não a reconheço.

 Sou vidro. Vazio e leve. Grave. Engravidado.

 Vejo-me do outro lado.

Pronto para me esbaldar. E ponto.

 

 

Tenho espelhos por toda casa. E tenho vidros também. Já não me olho em espelhos. Corro deles, fujo como dizem que o diabo foge da cruz. Não é medo. É mais uma questão de não reconhecimento. Por isso ando preferindo vidros. Por isso cobri todos os espelhos. Não quis botar fora. Pode ser que em algum momento queira ver a imagem que aparece invertida. Mas com os vidros me entendo bem. Apenas uma leve sombra reflete. Mas tudo o mais é vazio, é transparente, no máximo se vê coisas dentro. Mas coisas que não são de dentro de mim. Na cristaleira por exemplo, vejo todos os cristais, taças, xícaras, copos de uísque, compoteiras. Mas eu não. Eu vazio, livre para me preencher de tudo que for escolha minha, apto para escrever neste papel em branco, uma alma limpa como uma tela onde posso tratar tintas e texturas ao meu modo. Mas espelhos não. Eles mostram uma criatura feita pelas escolhas, impressões, desejos, moldes de outras pessoas. Não tem minha impressão digital, não tem meu sangue, meu suor, meus sustos, intempéries, gritos de basta, silêncios prazerosos. Não tem nem uma fissura minha. Então aqui me faço, vidro. Grave. Engravidado.

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Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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