enGRAVidaDO
Espelhos não mostram quem
sou.
Essa imagem invertida não me
representa.
Não a reconheço.
Sou vidro. Vazio e leve. Grave. Engravidado.
Vejo-me do outro lado.
Pronto para me esbaldar. E ponto.
Tenho espelhos por toda casa. E tenho
vidros também. Já não me olho em espelhos. Corro deles, fujo como dizem que o
diabo foge da cruz. Não é medo. É mais uma questão de não reconhecimento. Por isso
ando preferindo vidros. Por isso cobri todos os espelhos. Não quis botar fora. Pode
ser que em algum momento queira ver a imagem que aparece invertida. Mas com os
vidros me entendo bem. Apenas uma leve sombra reflete. Mas tudo o mais é vazio,
é transparente, no máximo se vê coisas dentro. Mas coisas que não são de dentro
de mim. Na cristaleira por exemplo, vejo todos os cristais, taças, xícaras,
copos de uísque, compoteiras. Mas eu não. Eu vazio, livre para me preencher de
tudo que for escolha minha, apto para escrever neste papel em branco, uma alma
limpa como uma tela onde posso tratar tintas e texturas ao meu modo. Mas espelhos
não. Eles mostram uma criatura feita pelas escolhas, impressões, desejos,
moldes de outras pessoas. Não tem minha impressão digital, não tem meu sangue,
meu suor, meus sustos, intempéries, gritos de basta, silêncios prazerosos. Não tem
nem uma fissura minha. Então aqui me faço, vidro. Grave. Engravidado.
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