Um beijo leve e adocicado na lembrança.
Um tapa forte na cabeça da tranquilidade.
Um virar de costas ao choro dos outros.
Um abraço apertado e confortante nos meus sentimentos.
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Engraçado o tempo! A gente se acostuma com tanta coisa, com os sofrimentos, com as agonias, com os medos, com as chacinas, as filas nos hospitais, as mortes na favela, acostumamos com tudo, mesmo que não percebamos, sempre acabamos nos acostumando a tudo. O tempo faz as feridas ficarem menos abertas, as vezes até esquecemos por instantes, horas ou dias. Mas me peguei pensando na saudade que tenho, que sinto, que horas está agonizante, horas calma, mas sempre a mesma saudade. Tento não ficar triste, não chorar, mas são anos segurando um choro, segurando um grito, uma loucura qualquer que brote fácil e saia de mim, como suor, como lágrima ou como uma voz mesmo, ecoada, largada, cortante. É assim, justamente assim que me sinto, envazado, polido, mastigado pelo ranger dos dentes de outros, lavado pelo choro dos outros, o forte as vistas de outros tantos. Cansei. Segurei-me por todo esse tempo. Mas agora não dá mais, agora é meu tempo de estourar, de soltar, jogar e jorrar essa lava que queimou e queima dentro de mim. Preciso de espaço, de tempo, de mim mesmo, de amor e de sentir essa saudade como ela é: minha. Não com o também, mas minha saudade. Porque meu chão se abriu e engoliu parte de mim, soterrou meu norte, minha fuga, meu horizonte. Entendo muito as diversas razões do partir, mas sinto falta, sinto saudade desse amor que me lançou nos braços do mundo, sinto saudade de sua vivacidade, de suas viagens musicadas, de seus sonhos não realizados e escondidos no fundo de si. Sinto saudade de mim, porque me fui junto, porque deixei de ser parte de mim quando o chão se abriu e me consumiu e me decepou os pensamentos, as pernas, os braços e os sentidos todos. O amor e a saudade são inseparáveis, porque um dia o amor se vai para longe e nos resta a bendita saudade, aquela que faz-nos esquecer as partes ruins do todo e sempre sorrir de saudade das coisas boas. Mas a minha saudade é completa, porque muito segurei dentro de mim o que sentia, mas agora explodo em dizer que sinto saudade de tudo, dos castigos, das surras, das brigas, dos abraços, das partidas de buraco, dos cigarros fumados juntos, das idas a roça, de tudo minha mãe eu sinto saudade em você, das faxinas de sábado, dos discos de Barbra, Bernard, Piaf, Enya, de tudo em você eu sinto falta, da forma como me pareço contigo, dos mistérios ocultos no seu olhar e da clareza deles em me dizer outras tantas coisas. Sinto saudade das nossas ultimas conversas, das quais eu poderia ter-lhe dito mais e mais coisas, inclusive que eu te amava e te amo, porque o tempo pode me levar tudo, mas jamais me levará esse sentimento inteiro e completo de saudade de amar você presente, ausente e futuramente dentro de mim. Desculpe-me pelo filho que fui e sou, mas sou quem sou porque sempre acreditei na liberdade de ser, de estar, viver o mundo que eu sempre ouvi você falar e cantar. Sabe, quando ouço certas musicas lembro-me claramente das lágrimas que corriam de seus olhos, do sorriso de canto de boca. Lembro de tantas coisas. Lembro-me de ti. Sempre.
Um grande beijo de filho que aqui ficou, desse que lhe ama muito.