quarta-feira, 31 de março de 2010
Ressaca
domingo, 28 de março de 2010
Jogo amargo ou Cadarços desamarrados em dia de chuva – 2
“... há sonhos que devem ser ressonhados, projetos que não podem ser esquecidos [...] Reses, enxurradas, tenho medo do outono das esquinas...”
Hilda Hilst – Do livro ESTAR SENDO. TER SIDO.
Cigarro amassado entre os dedos, uma vontade imensa de fumar, mas não há um transeunte fumando por essas bandas. De que cor é sorte? Pergunto-me indagando feito bêbado cornudo, moribundo, falido e fétido estragado pela quantidade de vida vivida e pelas bebidas todas que ousou por para dentro. Sorte em azar, isso sei que tenho a ponto de tudo me acontecer de ruim, de podre, de nojento. Perdi não só o dinheiro, as economias, o trocado do pão, perdi o carro, o emprego, a casa, a esposa que se foi com o filho da puta do filho do Zezin do armazém. Perdi o respeito de meus filhos, que se foram também, perdi as roupas e me restaram esses farrapos achados num lixão. Não tenho nada há não ser a sorte de ainda estar vivo e de me acontecer coisas piores. Sem um mísero real para jogar no bicho e mudar de vida, jogando no galo, claro, porque sonho com esse bendito galo cantando há dois dias e sempre deu ele na cabeça, na minha, no primeiro prêmio, mas não tenho como apostar, não tenho, perco a chance de ter galo cozido com batatas, há quantos dias não almoço, não janto, não tenho um café da manhã digno e nem mesmo não digno, porque afinal o que mereço?
terça-feira, 23 de março de 2010
Jogo amargo ou Cadarços desamarrados em dia de chuva - 1
domingo, 21 de março de 2010
Sobre dores, não amores e tempestades
Teu sorriso encantador faz descompasso nos corações, revela-te, e vai-te, com olhos caídos e sensuais... Nobre homem. Não o quero ao meu lado, afinal, foi você quem não aprovou o meu corte de cabelo, que disse que sou brega, foi você quem xingou a minha mãe, quem disse jamais ter consigo ter prazer de verdade ao meu lado, que só gozava porque pensava em outras pessoas, que quando me beijava imaginava lugares extraordinários. Foi você quem disse que eu não presto e que não sei cozinhar, que não converso, que quando abro a boca para falar não sai nada de aproveitável. Vai nobre homem, com seu jeito manso, que abarca o mundo, que conquista as pessoas, inclusive todos os meus amigos, vai... Segue rasteiro tal qual uma cobra. Não o quero mais em minha casa suja, não quero mais que beije essa boca vadia, que nunca tem o que falar, não o quero ao lado dessa filha de uma puta, esta que varou noite lhe esperando, com a comida sobre o fogão, essa que não te faz sentir desejo, não o quero mais aqui, sabe por quê? Porque apesar de eu não ser flor que se cheire, por longos treze, eu disse treze anos, você esteve ao meu lado, que por mais que existissem outras cadelas nas ruas, você sempre voltava com o rabo no meio das pernas, encostava-se a mim na cama, mexendo comigo, rijo, indecente, a fim de me acordar e me comer. Que comia toda a comida do prato, faltando lambê-lo. Sem falar que você me procurava na faculdade por eu ser a mais esperta, a mais desinibida, a mais estudiosa, que te ajudava nos trabalhos ou então você teria sido reprovado em várias matérias, sempre preparei teus discursos que você enchia a boca para falar na empresa. Não te quero, porque sou eu quem ri por último, porque eu quem sempre achou teu pau pequeno, que não suportava teu mau hálito de bebida e cigarro, que sempre te achou um burro, cuja única grande assertividade foi ter se aliado a mim, mas nunca deixei de te amar, de sentir prazer, porque eu te deixei me escolher, fui eu quem te fez esse homem, que você tanto ostenta. Eu. Então vai, se sai de perto de mim.
terça-feira, 16 de março de 2010
Assassinos S/A Vol. 2
Assassinos S/A Vol. II
A Coletânea
Por Manuela Azevedo.
Admito: quando a escritora Jana Lauxen me pediu para ler ‘com carinho’ e ‘dar minha opinião sincera’ sobre os originais do segundo volume da coletânea de contos policiais brasileiros Assassinos S/A, que ela organiza ao lado do escritor Frodo Oliveira em parceria com a Editora Multifoco, pensei ‘ih, lá vem mais uma coletânea de ficção policial’. Mesmo assim não recusei, mais por educação do que, de fato, por curiosidade.
E agora, depois de ter lido (ou melhor, devorado ferozmente) os 20 contos, de 20 diferentes escritores brasileiros, posso afirmar com cem por cento de convicção: não se trata de mais uma coletânea de ficção policial.
Trata-se, sim, d’A Coletânea de ficção policial.
Apesar do sugestivo nome, as histórias que compõem esta coleção não são, simplesmente, sobre assassinatos, assassinos, vítimas e investigadores. Além da superficialidade meramente chocante que muitos textos do gênero costumam proporcionar, os assassinos de Jana Lauxen e Frodo Oliveira imergem intensamente na sagacidade do crime, em seus motivos (ou na falta deles) e na mente doentia e arguciosa de seus matadores.
A violência não é gratuita; é elaborada, fidedigna, eqüitativa, quase sincera.
Não encontraremos no segundo volume desta coletânea detetives usando sobretudos e lupas, e nem artimanhas literárias que buscam somente e tão somente assombrar o leitor. Até porque, como sabemos, chocar é fácil, basta apelar. Mas Jana, Frodo e seus autores não apelam. Eles entram, sem bater na porta nem pedir licença, na mente de um matador, e sem procurar justificar seus crimes e atrocidades, apenas nos apresentam o assassino por dentro – por dentro, inclusive, de nós mesmos, nobres cidadãos.
Telefonei para Jana e dei minha sentença:
- É fenomenal!
E ela me respondeu:
- Tem mais!
Ela falava das ilustrações.
Assassinos S/A Vol. II não é apenas A Coletânea de contos de ficção policial. É também A Coletânea de contos de ficção policial ilustrada. E digo mais: divinamente ilustrada.
Jana escalou uma baita seleção de ilustradores, como Mario Cau, responsável pela sensacional capa da edição, Jota Fox, M. Watcher, Rodrigo Molina, Giovana Milanezi e Daniel Faccio.
Feito. O time estava completo.
Por isso, caros leitores, se posso oferecer um singelo porém sincero conselho, digo-lhes: dêem uma chance para esta que é A Coletânea de contos policiais brasileiros ilustrada. Permitam que Jana Lauxen, Frodo Oliveira e sua trupe entrem em suas cabeças também, e os levem a conhecer a sociedade secreta de seus assassinos, e de seus crimes (im)perfeitos, acidentais, elaborados, premeditados, ocasionais.
Contudo não se assustem com o que encontrarão ali, dentro do livro.
Conforme descreveu a própria Jana na apresentação da edição, estamos todos ‘ingenuamente protegidos pelas páginas impressas que separam a ficção da realidade’.
Além do que, como disse Hassan Sabbah, fundador da Ordem dos Assassinos, seita ismaelita que, entre o final do século XI e a metade do XIII, trouxe terror e pânico à região do Oriente Médio: nada é verdade.
Logo, tudo é permitido.
sábado, 6 de março de 2010
Pano de fundo
quinta-feira, 4 de março de 2010
Fim de tarde suave
segunda-feira, 1 de março de 2010
Prato sujo e outras interpretações
Partido. Um pimentão partido ao meio. O tempo partiu há horas. O sino da igrejinha me avisou. Grace Jones tocando freneticamente, o vinho tinto seco já travando a garganta, afinal, quatro garrafas para uma só pessoa é de travar, de amargar. Não era para ser assim, mas está sendo. Sobre a mesa um prato limpo, espaço preparado por mim, ajeitado, organizado e agora sublimado. Mas existe outro prato, embora esteja sujo, usado, com duas metades de um pimentão bem recheado. INGREDIENTES JÁ COM O MODO DE PREPARO: Convite para quantas pessoas, se quiser, basta aumentar a receita na proporção do aumento dos convites (Neste caso, porção para duas pessoas comerem bem); Escolher 04 pimentões grandes, de cores variadas (Verde, amarelo, laranja, vermelho) a fim de enfeitar a receita. Extrair o miolo e as sementes através do lado em que tem o talo e deixar separado. Numa frigideira dourar 03 cebolas roxas no azeite extra virgem, depois acrescentar 06 dentes de alho amassados. Enquanto doura, acrescentar 02 colheres de sopa de folhas de alecrim seco. Reduzir o fofo ao mínimo. Acrescer 01 xícara de leite morno, 01 berinjela grande cortada em pequenos cubos e uma couve-flor também em pedaços pequenos, ambas pré-cozidas anteriormente no vapor. Por 500g de queijo coalho fatiado, sal e pimenta-do-reino a gosto. Quando o queijo estiver bem derretido está pronta a receita para rechear os pimentões. Sirva com Arroz branco ou arroz com ervas finas, acompanhado de peixe ou ave. Muito bem acompanhado com vinho tinto seco. O maldito tinto que agora trava a garganta e deixa meus dentes e língua tingidos. Não trisquei no pimentão que aprontei no prato, houve frustração, perdi a fome, perdi o tato há muito tempo, minhas papilas gustativas estão embriagadas, manchadas, quero falar, quero xingar, que por para fora. Não houve explicação, não há explicação, nenhum telefonema, nem mensagem, apenas silêncio. E o prato limpo está cheio de hipocrisia, de desleixo, do pouco se importar com o outro.