terça-feira, 19 de outubro de 2010

CONVERSA DESATADA NUM ESTALO, SÓ

Toda espera cansa, angustia. Existe um conforto nesta reclusão. Passado a limpo o contexto inodoro, sentia na boca um gosto desconhecido, enquanto o café esfriava na caneca de esmalte branco. Era fim de tarde, o calor amolecia o corpo e fazia as moscas voarem baixo. Não passava um vento sequer, todas as árvores paradas enquanto fervilhavam no horizonte visto pela janela. Sobre a mesa de madeira reciclada farelos de pão acumulados nos últimos dias. Não há mais panos de chão limpos, a pia amontoada de pratos e panelas – só re-lavando a caneca de café. Não acendia mais incensos de canela, porque de nada adiantaria deixar o ambiente afrodisíaco. Quando do cair completo da noite: colocar comida para os gatos e os cães. Ainda resta ração suficiente para mais dois dias. Quarenta e oito horas aguardando alguma coisa, alguém, um telefonema, carta ridícula qualquer, um vento ou mesmo força estranha que me faça lavar os pratos. O disco da Maria Callas tocando repetidamente. A qualquer momento os vizinhos devem reclamar, mas não abrirei a porta. Joguei na loteria, sonhei com minha filha, mas desde que a mãe se casou com o chileno, isso há quatro anos, só ligações no meu aniversário e no natal, nada mais, nem uma foto pelo correio. Sinto saudade daquelas bochechas rosadas e boca vermelha me chamando de papai. Alias, creio que seja a única coisa da qual sinto saudade. Porque isso é um privilégio para poucos. Algumas pessoas contam os dias para a chegada das férias, eu particularmente, além de ter vendido parte do tempo, rezo para voltar a trabalhar, lembro de minha avó me dizendo: “mente vazia é oficina do diabo.” E creio que seja mesmo, afinal de contas, não tenho pensado em nada que preste. Mas o pior de tudo, é que depois que as moscas se aquietaram os pernilongos desataram a me encher o saco, minhas pernas estão queimando. Pelo adiantado da hora, a barriga roncando, algo precisa ser feito para alimentar esse corpo – o resto de sopa de ontem com pães dormidos poderão me deixar mais tranquilo. Quem sabe pegar no sono.

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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