quarta-feira, 28 de abril de 2010

O fim e o começo

Acordou resmungando. Estava muito calor, não soprava vento algum. Passava das dez da manhã. Não era costume acordar àquela hora, pelo contrário, o hábito é estar de pé antes das seis, trocar a água dos canários, por alpiste, depois alimentar as galinhas e gansos, além dos cães. Depois sua mãe chegaria se arrastando com uma xícara de café preto e após o primeiro gole viria o cigarro inaugural do dia.

Mas a noite foi extremamente turbulenta, por causa do calor, dos cães que não pararam de latir, certamente por conta de alguma ratazana. Sempre que há ratos nas árvores é essa zoada toda, mas o mau humor fez com que não se levantasse. Mas além do calor e dos animais, existia uma solidão implacável que lhe consumia e os sonhos e pesadelos que lhe acordavam a todo instante Não se recordava de muitos, mas um estava martelando sua cabeça.

Bem na verdade, os últimos tempos tornaram-se mais difíceis e agora com a proximidade de seu aniversário, tudo se tornava mais turvo. A ausência de um grande amor. O não dar a mínima para as duas filhas. Tudo bem que ele não as procurava, por mais que sua velha mãe insistisse para que ele ligasse para as meninas – a velha se sentia só, gostaria de mimar as netas. Pouco tinha contato com as gêmeas, mas tinha um profundo amor por elas. Mandava escondido do filho um pouco de dinheiro de vez em quando. Mas ele não era de fazer o gosto de ninguém.

A convivência com Dona Beata, assim chama sua mãe, era agradável, porém eles pouco se falavam, era como se um soubesse o que o outro queria dizer ou pelo menos supunham. Ele abriu a boca como se quisesse dizer algo, mas desistiu. Dona Beata, ao contrário das outras vezes indagou:

- Fala filho! Diz o que se passa.

Omar se sentiu acuado e talvez por conta disso, falou:

- Não é nada não. Apenas me lembrei do sonho que tive essa noite.

- E o que você sonhou? Porque você se mexeu na cama a noite inteira, pensei até que estava tendo um passamento.

- Ah! Mas com esse maldito calor quem consegue dormir? Ainda por cima os cães não pararam de latir.

A mãe falou mudando de assunto, para não dar vazão ao seu mau humor - Mas o que sonhou mesmo?

- Não sei tão exatamente, mas era como se as meninas estivesses em apuros, pedindo socorro. Daí eu acordei. Mas era só pegar no sono e o sonho continuava e mais pedido de ajuda. Ora elas se afogavam, ora estavam numa casa pegando fogo. Depois eram pisoteadas por cavalos, depois cercadas por cobras. E eu acordando, suado, os latidos dos malditos cachorros.

- Então faça o que tem de ser feito, ligue para elas.

- Mas elas não querem saber de mim. Já estão adolescentes e não procuram o pai.

- E você faz pior: um pai que não dá a mínima para as filhas. Ligue homem, ligue!

Não foi preciso ele se mover – o telefone tocou estridente na sala. Eles se entre olharam. Omar saiu da mesa acendendo um cigarro. Encostou-se na pilastra após atender a ligação. Ele não falava, apenas ouvia. A mãe, observando seu rosto, perguntava:

- Quem é? É da parte das meninas, não é? Fala Omar, responde.

Ele acenava, como que pedisse para ela se calar. Em sua cabeça os sonhos voltavam em fleches, indo e vindo, indo e vindo. Falou antes de desligar:

- Estou indo para aí.

A velha não parava de lhe fazer perguntas. Porém Omar permanecia calado, encostado na pilastra, o pé esquerdo apoiado no joelho direito. Olhando para o quintal.

- Você pode me dizer o que aconteceu com as gêmeas? Disse Dona Beata batendo com a xícara três vezes sobre a mesa.

Irritado e suado bastante, falou:

- A mãe delas não acordou, parece que foi o coração. Quando morávamos juntos ela já reclamava das dores, eu dizia para ela ir ao médico, mas ela gritava ferozmente que a culpa era minha. Está aí, feito. E o que eu vou fazer agora? Que diabos eu vou fazer?

- Ai meu Deus! Nossa Senhora do Bom Parto proteja essas meninas. Vá homem, pegue o carro e vá buscar as meninas.

- E fazer o que? Trazer para cá?

- Mas é cada uma que ouço. È claro que vai trazê-las para cá. Ou vai querer enterrá-las com a mãe? Ande Omar, vá pegar o carro. Irei junto contigo.

A ficha parecia não cair. Ele ainda esta a olhar o quintal. A velha se levantou, caminhou até ele, deu-lhe um tabefe no braço e disse:

- Não se preocupe, estou aqui para lhe ajudar.

Omar olhou para a mãe e pela primeira vez em anos abraçou-a. O mundo parecia desmoronar em sua cabeça. Mas de alguma forma o afago da mãe lhe apaziguou a alma.

Não demorou muito estava pronto para sair, quando sua mãe, já pronta disse:

- Omar, vai sozinho, estou tonta, acho que foi pela notícia. Vai e eu fico arrumando o quarto para as gêmeas.

- A senhora está bem mesmo?

- Estou sim Omar, mas ande logo, vá ver as meninas e dar o suporte necessário.

Ele saiu deixando um rastro de cigarro pela casa. Foi até a casa das gêmeas e encontrou tudo pronto, o velório estava todo organizado, tudo feito pela vizinhança, já que a ex-mulher não tinha mais ninguém. Ao contrário do que ele imaginava, as gêmeas correram para seus braços. Omar mal sabia lhe dar com aquela situação, dar colo, proporcionar proteção. Mas algo dentro dele o fazia agir de uma forma que acarinhava as meninas.

Passada a tempestade emocional do velório e enterro, Omar voltou à casa das gêmeas para pegar roupas e o que fosse necessário para a mudança delas. Pôs tudo na caçamba da camionete, fechou a casa, depois teria de voltar ali, decidir o que fazer: se vender ou alugar, enfim organizar a vida das filhas. Isso! Suas filhas. Como era bom pensar nisso, desta forma. Nada de aterrorizante como imaginava. Tudo em paz – ele, as gêmeas e a velha mãe.

Omar parou a caminhonete na porta. Ajudou as meninas a descer. Passavam das oito da noite. Caminhou em direção a porta, enquanto acendia um cigarro, mas achando muito estranho a Dona Beata não vir receber as netas. Entraram em casa, os cães latindo, gansos zoando também. Chamou pela mãe:

- Dona Beata! As meninas estão aqui.

Nenhuma resposta vinha. Só os cães latindo. Omar observou a sala, a cozinha e nenhum sinal da mãe. Foi até o quintal para fazer com que os bichos quietassem. E lá estava Dona Beata, caída no chão, com os animais ao seu redor, como que protegendo. Omar correu, afastou os cães. Sua mãe estava morta há horas. Certamente ela passara mal logo depois que ele saiu de casa. A partir de agora um novo velório, novo enterro, uma nova vida, só ele e as gêmeas.

Um comentário:

Rê Cicca disse...

Plinio, leia também
http://www.descompensando.blogspot.com/

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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