quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Cordão, novelo, costura

O estalo da vértebra, a artéria que leva o sangue pulsante, quente. Abismos devem existir, aqui, acolá, mas sempre há um espaço preciso do gostar ou então o que seria aquele arrepio na espinha? Viajo dentro, corro por ali, selvagem sim, mas delicado quanto um toque nervoso de primeiro encontro. Não cabia mais desprezar os sentimentos internos, nem de um nem do outro. A partir dali, passos não deveriam ser pensados demais, palavras deveriam ser ditas com a precisão da verdade, porque o enrolar dos nervos não faz bem, causam desconfiança mútua. Mas enquanto um pensava na melancolia do jazz o outro lembrava a canção do Cazuza: “Meus olhos são bem grandes pra te secar, minha boca é um bueiro que vai te sugar...”. Do oblíquo desejo de um lado – o juntar os panos de bunda, as escovas de dente. Já do outro, sexo prático, sem certeza de muitos dias na mesma companhia. Não que ambos desconhecessem a possibilidade de uma vida-acasalada-perfeitinha-em-casa-de-janelas-brancas, mas talvez estivessem presos demais as convenções do tipo de vida que levam aqueles que fogem às regras, mas que acabam vivendo a base delas. Se um subia a ladeira lentamente para depois descer novamente em disparada, aquele simplesmente esperava em baixo, afinal, para que se cansar? Sentar a mesa do bar – água com gás de um lado e do outro rum com coca-cola. Sabidos de suas diferenças agudas, traçavam maneiras de continuar com aquilo tudo – este pensava nos uivos e deleite em cama, mesa e banho; já aquele, saber que podia contar com alguém quando a solidão estivesse tão amarga quanto o gosto de fel que estraga o frango. Os dias passando, os meses e anos também e assim foram se afinando, como aquela estória dos porcos-espinhos no forte inverno. “Viver é bom, partida e chegada, solidão que nada...”. Espantavam qualquer vontade de sair por aí, de deixar para trás o que lhes prendiam, porque no fundo, desde o primeiro dia, sabiam que cabiam um ao outro, mesmo sôfregos de tanto acharem que não combinavam e que tudo não passava de um desalento, de uma forma de um usar o outro para surrupiar a solidão que os assolavam quando ainda solteiros e detentores do ar jovial e maléfico de só pensarem nas conquistas da noite, do sexo fútil e o acordar sozinhos. Outros tempos agora, os finais de semana sempre juntos, programas mornos que tanto desprezavam e que passavam a dar tanto sentido as suas vidas. Ao fim de mais uma noite de sábado comendo pipoca em frente à TV, um olhou para o outro, e sem mesmo pestanejarem, disseram-se: Amo você. Instantaneamente, ao mesmo tempo. Depois veio o beijo. Era o fim do filme que assistiam, era o início do cair à ficha, que tanto tempo ficou presa ao orelhão. Ambos começavam a ouvir o que o outro tinha a dizer e claro, a entender o que queriam esconder.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito, muito belo e cheio de substância seu texto. Um dos melhores de sua lavra. Senti-me dentro dele. Parabéns

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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