quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Encaixe: abrir e cortar.

Janela de correr. Porta de andar. Pernas de ficar. Grades de desproteger. Assim andava tudo, assim vivia a agonia, instaurada, papeis sobre a cama, sobre a mesa, sobre as cadeiras, sob o teto muitos papeis. Tudo muito desorganizado. Paredes exalando cheiro de tinta. Incensos não resolviam o problema, tudo misturado ao cheiro de cigarro, de conhaque. Buscava uma idéia, mas não qualquer uma, mas a idéia original, que desce ponta-pé para um novo texto, ao discorrer de alguma história que lhe rendesse páginas e mais páginas de um novo livro. Não seria justo que depois de um grande sucesso como o primeiro lançamento ele estivesse destinado ao fracasso, à cabeça vazia, a boca seca, uma vontade enorme de sumir, de não pensar em nada ao mesmo tempo em que tudo pedia que pensasse. Dois comprimidos para dormir, mais uma bela dose de conhaque, um pão com presunto de Parma e tomates bem maduros para forrar o estômago vazio. A sonolência chegando encomendada, pois há dias não pregava os olhos, não sonhava, não roncava. Chamou os gatos para perto de si, deitou-se no sofá para um cochilo. Dezoito horas depois, um despertar mole, pernas dormentes. Como conseguira dormir tanto, era o que pensava. Lembrou-se dos comprimidos. Os gatos miavam desesperados de fome, esperou que o formigamento das pernas diminuísse, colocou água para ferver. Precisava de um café forte. Foi generoso com os gatos misturando sardinha à ração. Comeram refestelados. Enquanto coava o café, a fumaça subindo e inundando os pulmões com seu aroma, olhou fixamente para o abridor de latas que tinha usado para abrir a lata de sardinhas e pensou naquele objeto como uma chave que abrisse as portas e janelas do mundo, entre o penetrar e cortar; ligou o rádio, tocava um sofisticado jazz, depois dos primeiros goles na xícara que herdara da mãe, um cigarro aceso, foi ao banheiro fazer escorrer o resto de sono pela pia, percebeu suas mãos brancas há tanto longe de sol, olhou-se nos espelho e se viu diante de outras portas, rodeadas por profundas olheiras escuras, apanhou o cigarro no canto da pia e tranquilamente caminhou par encontrar papel e caneta. O título já havia lhe chegado: O abridor de portas. Sobre o que escreveria? A cerca da forma não observada de chegar, de entrar, de inundar, de escorrer para dentro e para fora. E então tudo parecia se encaixar, a mão a discorrer, louca, inúmeras palavras umas atrás das outras, papel e mais papel, percebeu-se com fome, pensou em não parar, podia perder o fio da meada, mas recordou que foi o descanso que lhe trouxe a idéia e precisava comer, pois carecia estar forte para tanto, ovos mexidos quem sabe ou pedir uma pizza, o jazz que tocava se encerrou com o bater da caixa de marcação.

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Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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