terça-feira, 18 de maio de 2010

As badaladas do sino da igreja às dezoito horas.

- Fim de tarde estranho... Mas tranquilo por demais.

Foi à última frase que disse. Eu não prestava muita atenção ao que ele vinha dizendo, mas justamente nesse momento parei de costurar e voltei para dentro de mim, até então eu divagava com meus pensamentos e sua voz passava como pano de fundo de um filme vagabundo qualquer.

- O que disse papai?

(Silêncio)

- Papai? O que o senhor estava dizendo?

(Silêncio)

Enquanto repetia a pergunta, nada de resposta, havia o canto de um pássaro do lado de fora, acho que era um cardeal ou um pássaro preto, esses sempre gostam de cantar no fim de tarde. Papai tinha essa mania de dizer coisas vagas. Sempre que eu começava a costurar ele dava a falar. Gostava de lembrar-se de quando mamãe estava viva, de como eu era sapeca, levada até por demais. E infelizmente, gostava de lembrar-se da Sophia. Como é que pode, depois de tantos anos que aquela idiota nos deixou aqui, ele ainda se lembrar dela, gastar seus pensamentos com uma filha desnaturada que largou o pai e a irmã, sem notícia alguma. Passaram-se doze anos e a filha de uma égua nunca fez uma ligação. Não sabemos onde, como, com quem está. Nada. Sumiu. Silenciosa como sempre foi. Aquela serpente.

- Papai, o senhor está me ouvindo? A sua serpentinha não irá voltar. Entendeu? Não irá voltar. Deve está gorda, feia, amofinada em um lugar sujo, com um homem que bate nela. Entendeu? Pode ser que tenha tido uns seis filhos, abortado outros quatro, porque ela nunca prestou. Nunca.

E o que mais me irrita é o fato dele ficar calado enquanto eu sujo o nome da filhinha dele. Sempre é assim. Afinal, ela sempre foi a preferida, a filha mais carinhosa. A mais mimadinha do papaizinho.

- Mais a sua filhinha da putinha preferidazinha não cuida do senhor. Ela te abandonou, assim, na sarjeta como senhor está. Sem poder se levantar, só virando os olhos e falando sem ser entendido. Seu velho gagá. Entendeu? Euzinha aqui é quem lhe aturo. Não é a Sophiazinha não. Entendeu? Papai? Estou falando com o senhor, não vai resmungar não? O sino já está badalando as dezoitos horas, tá ouvindo. Quem é que vai lhe dar seu mingau? Quem? O senhor não vai dizer nada? Papai? Papai? Porque o senhor não está respirando? Quer me dar um susto é seu velho safado? Papai? Não. Papai? Vai me deixar é? Você também vai me deixar, igualzinho a sua filhinha Sophia? Não me deixe papai! Não me deixe.

3 comentários:

B. disse...

Interessante como teus escritos sempre me causam um tumulto na mente.

Sempre bom no que faz, parabéns Plinio, e deixo claro que meus olhos ficaram marejados ao fim do texto.

Giovani Iemini disse...

eita.

Rafael Castellar das Neves disse...

Nossa....muito bom isso!! Muito mesmo!!

[]s

Parte de mim - o que vira escrita...

Os que me olham, me sentem e me acomapanham

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